A lei das sociedades por ações e a avaliação de empresas

(Dra. Juliana Corrêa | Pozzato & Ruiz Advogados)

A Lei nº 6.404/1976, conhecida como Lei das Sociedades por Ações, foi criada com o objetivo de regular uma nova estrutura jurídica para esse tipo societário, que pudesse acompanhar o desenvolvimento econômico do Brasil e tornar o mercado de capitais algo mais palatável e atrativo, nos dizeres do então Ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, “à mobilização da poupança popular e o seu encaminhamento voluntário para o setor empresarial” .

Assim, impulsionada pelo objetivo maior de sobrevivência das empresas privadas e de atrair investidores internos, a Lei das S.A. foi pautada pelos princípios da transparência e de proteção ao acionista minoritário, criando mecanismos simplificados que permitissem uma fácil absorção da nova legislação pelo mercado, para serem seguidos como verdadeiras regras comportamentais.

Nesse cenário, adotar a avaliação independente para determinadas operações envolvendo a transferência ou aquisição de ativos, a oferta pública de ações e de aquisição de controle, o cancelamento de companhia etc., foi um fator de alta relevância, que alçou o empresariado nacional a um modelo mais aperfeiçoado, gerando a segurança e a expectativa de rentabilidade que o mercado de capitais necessitava.

Durante todos esses anos de vigência, modificações legislativas foram introduzidas, mas os princípios norteadores da legislação originária não se perderam, hoje muito mais voltados à economia global e ao investimento estrangeiro no mercado interno, e buscando atender as tendências e a normatização contábil internacional.

Nos dias atuais, portanto, submeter uma empresa ou partes dela (ativos) à avaliação, mais do que uma exigência legal, é uma necessidade do próprio acionista, para que se estabeleça um valor justo na operação ou para que se conheça o real valor do negócio.

Em termos legais, são mais recorrentes as avaliações a valor contábil ou de mercado (de negociação ou liquidação) dos bens, comumente aplicadas nas operações de:
•    Cancelamento do registro de companhia aberta (art. 4º, §4º e 4º-A);
•    Aumento de participação pelo acionista controlador (art. 4º, §6º);
•    Contribuição de bens para a formação do capital social (art. 8º);
•    Reembolso de Ações (art. 45);
•    Incorporação (art. 223 e 227);
•    Incorporação de controlada – avaliação pelos mesmos critérios e na mesma data para relação de troca (art. 264);
•    Fusão (art. 223 e 228);
•    Cisão (art. 223 e 229);
•    Incorporação de Ações (art. 252);
•    Aquisição de controle de sociedade relevante por companhia aberta (art. 256);

A Lei nº 6.404 exige que a avaliação seja feita por 3 peritos ou por empresa especializada, nomeados em assembleia de acionistas, os quais deverão apresentar laudo fundamentado, com a indicação dos critérios de avaliação (art. 8º, LSA), que será submetido à aprovação. Todavia, não se trata de regra absoluta, pois há casos em que não são admitidos os peritos, mas apenas instituição intermediária ou empresa especializada com notável e comprovada capacidade, tal como ocorre na Oferta Pública de Ações (OPA), nos termos do art. 8º, §1º da Instrução CVM nº 361.

Em que pese tratar-se de avaliação feita por avaliadores independentes, em algumas situações a lei determina o critério que deve ser utilizado pelo avaliador para o cálculo e fundamentação do laudo, de observância obrigatória (art. 183). Um exemplo disso é o art. 264, que trata da incorporação, pela controladora, de companhia controlada, que prevê “o cálculo das relações de substituição das ações dos acionistas não controladores da controlada com base no valor do patrimônio líquido das ações da controladora e da controlada, avaliados os dois patrimônios segundo os mesmos critérios e na mesma data, a preços de mercado, ou com base em outro critério aceito pela Comissão de Valores Mobiliários, no caso de companhias abertas”.

Trata-se de nítido caso de intervenção estatal com interesse social, que se sobrepõe ao interesse do acionista majoritário, a fim de proteger os direitos dos acionistas minoritários e garantir a sua retirada, segundo critérios específicos e a valor justo (fair value).

O mesmo ocorre na situação de aquisição de controle de sociedade relevante (art. 256 LSA), que estabelece os seguintes critérios de valoração das ações que serão adquiridas:
•    Cotação média em bolsa ou mercado de balcão organizado (média de apuração dos valores de negociação das ações em bolsa). Critério objetivo. Média apurada de maior liquidez/Cotação do fechamento;
•    Valor de patrimônio líquido (patrimônio a preços de mercado);
•    Valor da rentabilidade (presume-se a boa-fé do avaliador, por se tratar de critério mais subjetivo).

Nessa situação, contudo, mais do que proteção a minoritários, o que se pretende resguardar é a responsabilidade dos administradores e os interesses de todos os acionistas, dado o investimento relevante envolvido.

Acompanhando e apoiando essa transformação normativa, a fim de ajustar a Lei nº 6.404/76 à situação econômico-societária hoje estabelecida e permitir a realização da transparência e prática de governança corporativa, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) têm se destacado pela orientação na divulgação das informações e pela aprovação de métodos avaliativos específicos.

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