ALL põe à venda seus ativos na Argentina

A América Latina Logística (ALL) busca comprador para as suas duas ferrovias na Argentina. No vermelho desde 2007, as operações da ALL Central e da ALL Mesopotâmica registraram prejuízo equivalente a R$ 15,1 milhões em 2011 e tornaram-se uma dor de cabeça para a empresa brasileira, que pôs esses dois ativos à venda. Há negociações com vários grupos locais, segundo garantiram ao Valor três fontes ligadas à holding. A Techint desponta como favorita para assumir ambas as operações. Procurada, a Techint não quis se pronunciar oficialmente sobre o assunto. Depois de ser procurada pelo Valor, a ALL divulgou fato relevante, no início da noite, confirmando as negociações.
 
A malha concedida à ALL na Argentina tem cerca de 8,3 mil quilômetros, é a maior do país em extensão e a segunda em carga transportada: mais de cinco milhões de toneladas por ano. Os contratos de concessão das antigas linhas Urquiza e San Martín, como são conhecidas ainda hoje, valem até 2023. A frota engloba 158 locomotivas e 7.380 vagões.

Na Argentina desde 1999, a ALL tem enfrentado problemas com os sindicatos de trabalhadores e dificuldades com o repasse da alta inflação – estimada por institutos independentes em cerca de 25% ao ano, enquanto a taxa oficial está abaixo de 10% – para os fretes, embora essa última questão tenha sido atenuada em 2011. Mesmo assim, tem sido impossível retornar ao azul, o que ocorreu pela última vez em 2006. Na ocasião, houve lucro equivalente a R$ 10,7 milhões.
 
As operações representam 5% dos negócios totais em ferrovias da ALL. Nos últimos anos, a instabilidade política na Argentina desagrada à empresa e ela evita ao máximo fazer comentários sobre suas atividades no país vizinho. Cogitava-se em Buenos Aires, inclusive, a transferência das operações à Ferrosur, ferrovia administrada pela Loma Negra, empresa de cimento cujo controle pertence à brasileira Camargo Corrêa. Na realidade, porém, não havia interesse da Ferrosur em abrir uma negociação.
 
Nos últimos meses, a ALL teve conversas com a Techint – a maior empresa privada argentina – e com várias empreiteiras locais. Segundo o jornal "Clarín", estavam na lista as construtoras Iecsa, Roggio e Emepa, além do grupo liderado por Eduardo Eurnekián, dono da Corporación América, que arrematou recentemente as concessões dos aeroportos de Brasília e de São Gonçalo do Amarante, nos arredores de Natal. O matutino portenho dá como certo o negócio com a Techint. As fontes consultadas pelo Valor apontam o grupo como favorito, mas não confirmam o fechamento da operação.

A Techint já opera a Ferroexpreso Pampeano, uma das seis grandes ferrovias argentinas. A ALL Mesopotâmica sai do norte da Província de Buenos Aires, a mais populosa e economicamente a mais importante da Argentina, e percorre todo o nordeste do país. Conecta-se às malhas ferroviárias do Brasil (no município gaúcho Uruguaiana), do Uruguai (em Salto Grande) e do Paraguai (em Encarnación). Já a ALL Central liga as imediações da capital Buenos Aires à região da pré-cordilheira andina, chamada de Cuyo, passando pelas Províncias de Córdoba e Santa Fé.
 
A cúpula da ALL acredita que a venda de seus ativos na Argentina tem a bênção do primeiro escalão da presidente Cristina Kirchner, reeleita em outubro de 2011, por mais quatro anos. Desde a presidência de Néstor Kirchner, 2003 e 2007, o "governo K" tem endossado a renacionalização de grandes empresas privatizadas na década anterior.
 
Um caso marcante foi o da Aguas Argentinas, concedida à francesa Suez, cujo contrato foi rescindido em 2006. Depois, a Aerolíneas Argentinas foi reestatizada, em 2008. O governo também travou uma batalha pública contra a Telecom Italia, controladora da principal operadora de telefonia local, ameaçando até cassar sua concessão. Finalmente, após anos de brigas, encerrou subitamente a disputa e permitiu ao grupo italiano expandir sua participação na empresa telefônica.
 
Agora, fala-se abertamente sobre a possibilidade de renacionalização da YPF, a petrolífera argentina privatizada em 1999. O controle da companhia foi comprado pela espanhola Repsol, mas o casal Kirchner incentivou a entrada e o aumento gradual da participação da família Eskenazi.
 
No ano passado, o grupo Petersen comprou mais 10% de participação acionária e hoje detém 25% da YPF Repsol. Ele é controlado por Enrique Eskenazi, que adquiriu em 1996 o banco da Província de Santa Cruz, governada por Néstor Kirchner durante 12 anos. Nos últimos meses, a YPF tornou-se alvo de inúmeras denúncias por parte da Casa Rosada, o que levantou suspeitas sobre a intenção do governo de avançar sobre o controle estrangeiro dela. A Repsol já havia anunciado o desejo de reduzir sua fatia na petrolífera para 51%.
 
Em 2011, conforme balanço divulgado na semana passada, as operações ferroviárias da ALL na Argentina tiveram prejuízo equivalente a R$ 15,1 milhões. O número é 97% superior ao verificado em 2010. No quarto trimestre, isoladamente, o desempenho foi melhor. Comparando-se os últimos dois anos, o lucro passou de R$ 9,2 milhões para R$ 13,8 milhões.
 
No fim de fevereiro a Cosan fez um oferta para adquirir 49% do bloco de controle da ALL. Participam do bloco o BNDES; fundos de pensão, como Previ e Funcef; o fundo BRZ ALL; e investidores privados. A entrada do novo sócio depende ainda de aprovação dos demais participantes do bloco de controle.

(Daniel Rittner | Valor)

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