Ativos de risco ‘dançam’ tal qual a música dos BCs

Janeiro ficou para trás e o mote do mês foi a tomada de ativos de risco. Sob a batuta do Banco Central Europeu (BCE), Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Banco da Inglaterra (BoE) e do Banco Central (BC) brasileiro, os investidores foram à compra de ações e commodities e saíram dos títulos do Tesouro e do dólar americano.
 
A máxima "don”t fight the Fed" (não lute contra o Fed) se mostrou válida em âmbito global, conforme os principais bancos centrais acenaram sua disposição em manter juros baixos a perder de vista e lançaram e acenaram programas de "Quantitative Easing".
 
Até o BC brasileiro entrou no esquema ao falar abertamente na possibilidade de taxa básica de um dígito – para alguns, mais clareza no discurso e, para outros, demonstração de engajamento global.
 
Juro baixo a perder de vista dá fôlego às bolsas e commodities
 
Além desse impulso dado pelas autoridades monetárias, indicadores positivos sobre a economia americana (principalmente) levaram o mercado a "comprar" a ideia de que a economia mundial pode estar em um ponto de inflexão.
 
Resta saber, agora, se tal ambiente prevalece ou se é só mais um episódio de melhora dentro de um quadro estrutural de debilidade econômica nos países desenvolvidos, resultado de um duro processo de desalavancagem após anos de endividamento irrestrito.
 
Momentos como esse já ocorreram anteriormente. Por isso, alguns investidores preferem a cautela em vez de dançar conforme a música tocada pelos bancos centrais.
 
Para o sócio da Teórica Investimentos, Rogério Freitas, não há como negar a melhora nos indicadores econômicos.
 
O problema é que essa melhora é ainda muito incipiente para ser tomada como fato.
 
Os dados divulgados são de alta frequência, portanto, mais voláteis e com menos capacidade de predizer tendências.
 
Ontem mesmo, alguns indicadores dos EUA já decepcionaram. O índice de atividade na Região de Chicago, caiu de 62,2 em dezembro, para 60,2 em janeiro, contrariando previsão de alta. E esse foi um dos primeiros dados a "surpreender para cima" no ano passado.
 
Outro indicador mencionado por Freitas é o Produto Interno Bruto (PIB) do quarto trimestre, que subiu 2,8%, ante previsão de 3%, sendo que boa parte do crescimento foi reflexo de variação de estoques.
 
Outro ponto questionado pelo especialista é a eficiência das ações de política monetária do Fed, BCE e outros BCs.
 
As injeções de liquidez e promessas de juros baixos empurram o mercado para os ativos de risco, seja pelo "dinheiro barato", ou pela expectativa de que essas ações vão resultar em crescimento econômico.
 
No entanto, diz Freitas, esse crescimento no lado real da economia não se confirma.
 
Esse "remédio" vem sendo utilizado desde 2008 e não se vê firme retomada do emprego e renda nos EUA. E na Europa, por mais que os países consigam rolar dívidas, o termo recessão acompanha as projeções econômicas e o desemprego (tirando a Alemanha da conta) segue em patamares recordes.
 
O Fed mantém um "QE3" sobre a mesa e na zona do euro, o BCE já tem contratada nova rodada de empréstimos ao setor financeiro em 29 de fevereiro. E o valor da operação de três anos com taxa de 1% pode passar do € 1 trilhão.
 
Por isso mesmo, pode ser difícil ver os mercados mudando completamente de cara no curto prazo.
 
Na visão de Freitas, apesar de os mercados reagirem de forma positiva a essa estratégia dos bancos centrais, o impacto de afrouxamentos adicionais é limitado na economia real.
 
"Os dados têm confirmado a ineficácia desse instrumento e em algum momento essa visão deverá ser precificada pelos agentes. Acreditamos que as políticas abusivamente frouxas, visando inflar artificialmente os preços dos ativos, têm incentivado a tomada de risco excessiva e, em algum momento, um grande ajuste deverá ser feito", diz o especialista.
 
Para boa parte do mercado não importa o que vai acontecer no futuro, o negócio é fazer dinheiro agora. Por isso mesmo, ao longo do mês não foi difícil ver gente "arrependida" de não ter ampliado ainda mais as posições em ativos de risco.


 
Freitas afirma que não tem problemas em alterar sua avaliação quanto ao cenário e mesmo sua estratégia de investimento. Mas prefere esperar por indicadores mais concretos e diz que o momento é, de fato, de mudança no ciclo econômico mundial.
 
Por ora, ele e sua equipe seguem acreditando que a economia mundial está perto de entrar em um novo período de enfraquecimento. Por isso, o especialista segue comprado em dólar e vendido em bolsa.
 
"Tentamos antecipar os movimentos do mercado e não apenas dançar conforme a música do momento", conclui.
 
(Eduardo Campos | Valor) 
 

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