Cade decide analisar compras de participações minoritárias

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), ligado ao Ministério da Justiça, decidiu concentrar as suas atenções nas aquisições de participações minoritárias de empresas e pretende impor restrições sempre que esses negócios envolverem duas companhias de um mesmo setor com risco de prejudicar a concorrência.

A orientação foi firmada na quarta-feira, quando o órgão antitruste proibiu a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) de indicar membros para os conselhos de administração e fiscal da Usiminas.

A CSN tem 16% da Usiminas, adquiridos, principalmente, entre 2010 e 2011. De posse dessa participação – 11,9% do capital votante e 20,1% do capital preferencial -, a CSN planejava indicar membros para o conselho da concorrente. Pela Lei das Sociedades por Ações, ela teria parcela grande o suficiente para indicar dois membros, um por cada classe de ação.

Embora oficialmente a CSN não comente o tema, o Valor apurou que ela vai tentar reverter a decisão, que foi em caráter liminar.

O Cade ficou preocupado com o fato de as empresas atuarem no mesmo setor, onde concorrem entre si e detêm, se somadas, 79% do mercado de aços planos. Assim, com base na Lei Antitruste (nº 8.884), o órgão suspendeu alguns direitos previstos na Lei das S.A. – incluindo o direito do voto.

O diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) Otávio Yazbek explicou que, em princípio, as legislações societária e da concorrência tratam de dimensões diferentes de um mesmo processo econômico. A autarquia regula e fiscaliza o mercado de capitais e a aplicação das regras societárias. Contudo, o diretor preferiu não tratar do caso específico, uma vez que o órgão ainda não possui uma opinião oficial.

Antes desse episódio, a orientação que prevalecia era que, na maioria dos casos, o Cade nem deveria julgar a compra de participações minoritárias. O órgão era focado só nas fusões e aquisições de empresas, ou seja, na compra do controle. A CSN, por exemplo, nem havia notificado ao Cade a aquisição de ações da Usiminas. Agora, isso mudou e outros negócios podem sofrer restrições semelhantes.

A prestadora de serviços de saúde Amil pode ser obrigada a vender os 10% de participação que adquiriu da Medise, dona da marca de hospitais D”Or, no Rio. Na semana passada, o Cade sugeriu à companhia que a venda dessa participação pode ser necessária para evitar a reprovação pelo próprio órgão antitruste da compra de outros hospitais pela Amil no Rio.

Ao julgar o caso da Amil, o conselheiro Alessandro Octaviani fez um alerta sobre outro processo importante em que houve compra de participações minoritárias – a aquisição de ações da Cimpor pela Votorantim e pela Camargo Corrêa, no setor de cimento, em que todas as companhias são grandes e bem posicionadas no mercado.

"É uma estratégia de uma dominante adquirir participação de outra dominante", disse, ao analisar o caso da Amil. "No caso Cimpor, o quadro também é algo que muito me preocupa", completou, referindo-se ao limite de participação de mercado das empresas.
 
"A participação minoritária pode gerar substantivas preocupações concorrenciais", disse o conselheiro Ricardo Ruiz, durante o julgamento do caso da CSN. "A investidora [CSN] teria vantagem concorrencial diferenciada."

O conselheiro Marcos Paulo Veríssimo enfatizou que não é apenas o direito de participação nas decisões da rival que preocupa o Cade. "O direito de fiscalização também inclui ter acesso a informações dos concorrentes", disse.

Foi em meio a essa discussão que o órgão antitruste decidiu que a CSN também não poderia indicar um membro para o conselho fiscal da Usiminas.

Olavo Chinaglia, presidente do Cade, disse que a mera compra de participações minoritárias não basta para gerar preocupações concorrenciais. É preciso verificar a estrutura do mercado e se as empresas que concorrem entre si vão ter condições de atuar de maneira coordenada, prejudicando outras, além dos próprios consumidores.

No caso da CSN, essas condições estariam presentes, pois, se trata, segundo Chinaglia, de um mercado oligopolizado, com apenas três empresas atuantes e quase 80% de domínio da CSN e da Usiminas.

Enquanto os advogados da área de defesa da concorrência avaliam a nova orientação, os especialistas em direito societário querem entender os limites de atuação de cada órgão. A diretriz do Cade passa pela formulação de estratégias nas transações de fusões e aquisições.
 
"Há uma tensão entre o direito societário e o direito da concorrência, já que o primeiro preserva direitos privados e o segundo preserva o bem público", explicou a advogada Ana Paula Martinez do escritório Levy & Salomão.

Essa tensão estará cada vez mais presente nos julgamentos do Cade, pois a partir de 30 de maio, com a nova legislação antitruste, as fusões e aquisições só serão realizadas com a autorização do órgão.

Apesar de a Lei das S.A já preservar a companhia investida – determinando que os conselheiros atuem no melhor interesse do negócio e os acionistas votem pelo bem da empresa -, especialistas entendem que o Cade deve manter-se atento à legislação societária, mas não veem impedimento para interferência nos negócios.
 
"O Cade sinalizou que a sua jurisprudência tem um peso especial na avaliação dos riscos e estratégias dos negócios", afirmou o advogado Eduardo Molan Gaban, do escritório Machado e Associados. As empresas vão ter que ser mais precisas ao informar o teor de seus negócios ao Cade. "No sistema de análise prévia, a confiança na relação entre as empresas e as autoridades deve ter um peso especial."

(Juliano Basile e Graziella Valenti | Valor)
 

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