Camargo mira em cimento e energia

O grupo Camargo Corrêa enfrenta um dos momentos mais complicados em sua trajetória empresarial. O Estaleiro Atlântico Sul (EAS), montado em Pernambuco a partir de 2005, com a promessa de ser a nova grande área de negócios do grupo, transformou-se em uma fábrica de problemas. A companhia e a sócia Queiroz Galvão já puseram R$ 3 bilhões nessa obra. Conforme números de balanço, a Camargo teve prejuízo de R$ 570 milhões em 2011 com o EAS.
 
Para piorar a situação, o EAS perdeu o sócio tecnológico, a coreana Samsung, que não quis maior comprometimento com o projeto, e terá de renegociar prazos de entrega de navios para Transpetro e de um pacote de sondas de perfuração para a Petrobras.
 
Após a tumultuada saída da Samsung, os sócios correm contra o tempo na busca de novo parceiro detentor de know-how na construção naval. Com obras concluídas em 2010, o estaleiro virou uma enorme dor de cabeça para os dois sócios. Camargo e Queiroz só não vendem o EAS porque não encontram quem compre. O estaleiro teve perda de mais de R$ 1,3 bilhão em 2011.

Essa drenagem de recursos de uma área que era promissora e não é mais foco, não tira o grupo da trajetória que persegue: ser líder no setor elétrico no Brasil, com a CPFL Energia, e ser o segundo maior produtor de cimento do país, atrás da Votorantim.
 
O plano de fusão dos seus ativos com os da Cimpor, lançado sexta-feira, torna o grupo um dos dez maiores produtores de cimento do mundo. No Brasil, quase dobraria de tamanho, dos atuais 10% do mercado para 18% a 19%. Com a oferta pública de ações, OPA, a meta é assumir o controle da fabricante lusa, presente em 12 países, inclusive o Brasil (ver texto abaixo).
 
Para ser líder em energia, superando inclusive a estatal Eletrobras e outras concorrentes com forte apetite no setor, a CPFL terá ainda de fazer alguns movimentos ousados. Hoje, já fatura R$ 19 bilhões por ano, detém 13% do mercado de distribuição de energia, é geradora com várias hidrelétricas e acaba de montar uma subsidiaria grande na geração de energia renovável, como biomassa e eólica.
 
O foco do momento, enquanto arruma a casa do EAS, é o cimento, que gera quase 15% da receita total do grupo. Os planos para energia ficam para um segundo momento.
 
A Cimpor, com vendas de 27,5 milhões de toneladas de cimento, além de concreto e outros materiais, faturou € 2,2 bilhões em 2011, enquanto a Camargo obteve € 1 bilhão com cerca de 12 milhões de toneladas de suas operações brasileiras e argentinas. A fusão de tudo na Cimpor, na qual já tem 33% do capital, criaria uma gigante global com capacidade de fazer 50 milhões de toneladas ao ano e atuação em quatro continentes.
 
Para consolidar esse negócio, o grupo terá de desembolsar algo como R$ 3,5 bilhões a R$ 4 bilhões, além de entregar ativos para a Votorantim em troca de sua fatia de 21% na empresa portuguesa. A expectativa é estar com tudo isso resolvido até o fim deste ano.
 
Para entrar na Cimpor, em fevereiro de 2010, a Camargo teve de desembolsar R$ 3,6 bilhões, pagando mais de € 6 por ação, valor acima do que oferece hoje aos seus sócios. A crise europeia e portuguesa ajudou a depreciar o valor da fabricante.
 
Em energia e cimento, desde o começo de 2009, o grupo investiu mais de R$ 6 bilhões, apenas em aquisições. A entrada na Cimpor foi fruto de uma disputa acirrada com Votorantim e CSN, a empresa de aço, minério de ferro, cimento e logística de Benjamin Steinbruch. A CSN fez uma oferta hostil bilionária pela Cimpor no fim de 2009, obrigando os dois grupos brasileiros a pagarem caro para tirá-la do páreo.
 
Se no momento compra ativos para fortalecer seu foco de negócios, de outra parte a Camargo teve de ir às vendas para gerar caixa. Desfez-se das participações na Itaúsa (holding do Banco Itaú) e na siderúrgica Usiminas, embolsando R$ 5,2 bilhões. Vendeu também a Cavo (de coleta de lixo e saneamento) por R$ 600 milhões, além da CNEC (projetos de engenharia) e da A-Port (serviços aeroportuários). Não deve parar por aí, seguindo sua estratégia de focar no máximo em quatro a cinco negócios.
 
A Távex, empresa têxtil de controle espanhol, deve ser a próxima da lista. Diretamente e via Alpargatas, o grupo detém pouco menos de 50% do capital da empresa, onde atua na figura de mero investidor.
 
A Construção pesada, negócio que deu origem ao grupo, fundado em 1939 por Sebastião Camargo e hoje gerido pelas famílias de suas três herdeiras, ainda responde por quase um terço da receita total. Deverá manter-se com prestígio, porém buscando afastar-se de ligações com o governo. A CCDI, de incorporação imobiliária, com fechamento de capital já anunciado, deverá ser um apêndice predial dentro de construção, sem status, focando em segmentos rentáveis (baixa renda e alto padrão). A CCDI não decolou. É possível ainda a anexação da construção naval, formada pela participação no EAS e por 27% na Quip.
 
Para concessões de transporte – rodovias, rodoanéis, metrôs e aeroportos – todo o foco será canalizado pela controlada CCR, onde tem um terço do controle societário. Daí, a venda da A-Port, para a própria CCR.
 
A Alpargatas, conhecida por fabricar as sandálias havaianas, com operações no Brasil e Argentina, voltou a cair nas graças do grupo depois de ser quase vendida. Teve ofertas firmes de compra. A nova estratégia é torná-la uma companhia de grandes e diversas marcas, com presença global.
 
O negócio de calçados vem ganhando peso na receita do grupo – em 2010 respondeu por quase 13% dos R$ 18 bilhões da Camargo Corrêa. Só ficou atrás de construção, energia e cimento.

(Ivo Ribeiro | Valor)
 

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