Comitês de auditoria estatutários

Os comitês de auditoria estatutários podem ser uma boa alternativa aos chamados conselhos fiscais "turbinados" para empresas brasileiras listadas na New York Stock Exchange (NYSE)
 
A fim de atender às exigências do Sarbanes-Oxley Act of 2002 (SOX) e da NYSE referentes a comitês de auditoria, uma parte significativa das companhias brasileiras listadas na NYSE mantém o chamado conselho fiscal "turbinado" – um conselho fiscal atribuído de poderes adicionais para supervisionar os auditores independentes. Uma alternativa para o cumprimento dessas regras podem ser os comitês de auditoria estatutários, criados recentemente pela Instrução CVM nº 509, de 2011.
 
Como regra geral, empresas listadas na NYSE devem manter um comitê de auditoria nos moldes americanos, sendo formado por conselheiros de administração independentes e dotados das demais atribuições previstas na SOX e nas regras da NYSE. Com base na Rule 10A-3 do Securities Exchange Act de 1934, emissores estrangeiros estão isentos dessa exigência caso mantenham um órgão social que, dentre outros requisitos, seja expressamente estabelecido de acordo com as regras locais, seja independente da administração e tenha as atribuições de um comitê de auditoria americano (na medida do que for permitido pelas regras locais). A Securities and Exchange Commission (SEC) reconheceu que as empresas brasileiras dotadas de conselhos fiscais com esses poderes adicionais – os chamados conselhos fiscais "turbinados" – se enquadram em tal isenção.
 
Dada a isenção, poucas empresas brasileiras optaram por manter um comitê de auditoria nos moldes americanos. Uma das razões para tanto foi a dificuldade de cumprimento das regras relativas à composição do comitê de auditoria exclusivamente por conselheiros independentes. Para empresas brasileiras, onde tipicamente existe um grupo de controle definido, é comum que a maioria dos conselheiros seja considerada afiliada ao emissor ou receba remuneração que afete sua independência, resultando em um número limitado de conselheiros independentes disponíveis. Esse problema é ainda maior se levarmos em conta o tamanho reduzido dos conselhos de administração de companhias brasileiras quando comparadas a companhias americanas e a falta de qualificação técnica ou mesmo indisponibilidade dos poucos conselheiros que possam ser qualificados como independentes para participar do comitê de auditoria nos moldes americanos.

Por outro lado, muitos acreditam que o conselho fiscal "turbinado" – cujos membros não podem ser administradores – não configura o órgão mais apropriado para desempenhar as funções de um comitê de auditoria. Por exemplo, um conselheiro, por ter maior familiaridade com o negócio da companhia ou participar de suas decisões estratégicas, pode estar melhor preparado para identificar e solucionar, juntamente com os auditores, problemas relativos a gestão de riscos ou controles internos. A familiaridade desse conselheiro com o mercado pode trazer também grandes benefícios na melhora da divulgação de informações financeiras pela companhia. Ademais, apesar de ser tecnicamente separado da diretoria e do conselho de administração, o conselho fiscal é normalmente composto, em sua maioria, por representantes eleitos pelo acionista controlador, o que pode afetar em tese a sua independência.
 
É provável, portanto, que a opção de várias empresas brasileiras pelo conselho fiscal "turbinado" seja resultado das dificuldades para o cumprimento dos requisitos relativos aos comitês de auditoria nos moldes americanos, e não da crença de que o conselho fiscal "turbinado" esteja dotado das melhores ferramentas para o exercício das funções de um comitê de auditoria. A Instrução CVM nº 509/11, todavia, oferece uma nova alternativa ao permitir que companhias brasileiras instalem comitês de auditoria estatutários. Os membros de tais comitês não necessitam ser exclusivamente conselheiros independentes, bastando que a maioria deles (conselheiros ou não) seja independente e que apenas um deles seja membro do conselho de administração, sem participação na diretoria (pelos motivos citados, todavia, é importante que as companhias brasileiras considerem a inclusão de mais de um conselheiro em seus comitês de auditoria estatutários).
 
Devido principalmente a essa flexibilidade em sua composição, o comitê de auditoria estatutário pode ser mais facilmente criado por empresas brasileiras do que o comitê de auditoria nos moldes americanos. Além disso, esse comitê tem o diferencial de ser um órgão social distinto do conselho fiscal, sendo vinculado ao conselho de administração e dedicando-se especialmente a monitorar a auditoria, a contabilização e a divulgação de informações financeiras das companhias.
 
Espera-se que o comitê de auditoria estatutário se enquadre na mesma isenção da SOX na qual o conselho fiscal "turbinado" hoje se enquadra. Para se certificarem disso, todavia, é recomendável que as primeiras empresas brasileiras que desejem adotar o comitê de auditoria estatutário realizem uma consulta prévia junto a seus consultores jurídicos americanos.
 
Filipe B. Areno é advogado sênior do Skadden, Arps, Slate, Meagher & Flom LLP (Nova York)
 
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

(Filipe B. Areno | Advogado)

 

 

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