Como a Lenovo quer avançar no Brasil

Nascido em Ellenville, Nova York, Rory Read troca cartões de visita como um chinês. Ele segura o cartão com as duas mãos para entregá-lo a outra pessoa. Para receber o cartão de alguém, também usa as duas mãos e, ao recebê-lo, observa-o com atenção durante alguns segundos. Colocar o cartão direto no bolso, sem ler, seria considerado extrema falta de respeito.

Presidente mundial e diretor de operações da chinesa Lenovo, Read é o ocidental com o cargo mais alto na quarta maior fabricante de PCs do mundo. Quinta-feira passada, ele esteve no Brasil por menos de 24 horas, visitando o escritório de São Paulo, e discutiu com a equipe local como dar um salto em sua participação de mercado. Segundo números da própria Lenovo, a fatia de mercado deles por aqui está abaixo da média dos países emergentes.

"O Brasil é um dos mercados mais importantes de PCs do planeta", disse Read. "É muito importante para nós." Segundo ele, a empresa registrou um crescimento anual de 38%, comparado a uma expansão de 18% do mercado local. "Nosso negócio de consumo cresceu 133% no Brasil."

Apesar disso, por aqui, ainda está muito longe da líder brasileira Positivo Informática e mesmo de seus competidores globais, como a HP e a Dell. A estratégia da Lenovo para o Brasil é fortalecer sua marca na cabeça dos consumidores e trazer para cá produtos que já estão disponíveis na China, como sua linha de tablets.

Surpresa. Em 2004, a Lenovo, que já era a maior fabricante de PCs da China, surpreendeu o mundo ao anunciar a compra divisão de microcomputadores da IBM, com o direito de uso da tradicionalíssima marca Think. Muitos esperavam que, após isso, ela adotasse uma estratégia agressiva de expansão mundial, mas não foi o que aconteceu. Não foi fácil digerir a aquisição.

Os resultados só começaram a aparecer há um ano e meio. "Somos a grande empresa de PCs de crescimento mais rápido, por seis trimestres consecutivos", disse Read. O ponto mais difícil nos primeiros anos após a fusão, reconheceu o executivo, foi alinhar as diferenças culturais.

"Eu trabalhei na IBM por 23 anos e meu pai trabalhou lá por 38 anos", afirmou o presidente da Lenovo. "Quando cheguei à Lenovo, percebi que as pessoas são mais parecidas que diferentes. Mesmo assim, existem diferenças culturais sutis."

Ele deu um exemplo em que pessoas de origens diversas sentam em uma mesa para discutir novos produtos. "Um americano será muito extrovertido, falará alto e terá pontos de vistas fortes. Um chinês ouvirá por muito tempo antes de comentar. O americano tende a interpretar isso como concordância, mas temos que entender as sutilezas."

Para Read, o ponto de virada da empresa foi quando Yang Yuanqing retomou o cargo de presidente executivo (CEO) da Lenovo, no começo de 2009. (Na Lenovo, os cargos de presidente e CEO são separados.) Antes da compra da divisão da IBM, Yang era o CEO da Lenovo e depois acabou passando alguns anos como chairman.

"Nosso CEO criou uma estratégia clara, que chamamos de proteger e atacar", disse o executivo, fazendo pose de lutador. "É como um boxeador, que protege o coração e a cabeça. Protegemos nossos negócios na China e nossa linha de produtos Think. E ao mesmo tempo atacamos, ganhando consumidores e pequenas e médias empresas, que dão escala a nossos negócios."

Próxima geração. Read não foi para a Lenovo com a compra da divisão de PCs da IBM. Ele chegou depois. Está na empresa chinesa há cinco anos. "Quando tive a oportunidade de vir para a Lenovo, fui falar com o meu pai, que trabalhou na IBM por 38 anos", disse o executivo. "Falei para ele que precisava aproveitar a chance de fazer parte do futuro, numa empresa global de próxima geração."

Read pensou que seu pai não receberia bem a ideia. "Mesmo sendo um verdadeiro "blue" (o apelido da IBM é "Big Blue"), 100% IBM, ele me apoiou. Foi a segunda melhor decisão que eu tomei na minha vida, porque minha mulher pode ler isso e a melhor decisão foi me casar com ela."

O que o executivo chama de "empresa global de próxima geração" é a combinação de culturas que surgiu da união entre a divisão da IBM e a Lenovo. "Somos uma empresa muito diversificada culturalmente e unimos a cultura ocidental e a oriental no que chamamos de "Lenovo way" (maneira Lenovo)", disse Read. "Essa foi a mudança gigante que nos permitiu acelerar o crescimento. Daqui a 10 anos haverá companhias globais por toda a parte, e nós teremos sido uma das primeiras."

Aquisições. Há alguns anos, a Lenovo chegou a negociar a compra da Positivo Informática, mas as conversas não deram resultado. O presidente da Lenovo preferiu não falar sobre o episódio. Mesmo assim, reconheceu que a análise de aquisições é uma parte importante da estratégia mundial da empresa.

Ele apontou como exemplo do que a empresa procura a parceria com a NEC no Japão, anunciada em janeiro, que criou a maior fabricante de PCs daquele país. "Com essa joint venture, passamos a ter a primeira posição em dois dos três maiores mercados de PCs do mundo, a China e o Japão. O Brasil é claramente um mercado importante, que está para se tornar o terceiro ou quarto mercado mundial. Vamos olhar oportunidades aqui e em outros mercados."

Novidades. Diferentemente dos concorrentes, que priorizam mercados maduros, a Lenovo costuma fazer seus lançamentos na China, para ganhar escala. Foi o caso do tablet LePad e do smartphone LePhone, que já estão disponíveis por lá desde o ano passado. A partir de meados deste ano, a empresa planeja oferecer tablets em outros países.

"Não lançamos nossos produtos na América do Norte", disse Read. A empresa planeja colocar no mercado em agosto o Think Slate, um tablet para o mercado corporativo. "Ele estará disponível no Brasil no mesmo dia", afirmou.

Ainda neste ano fiscal (que, para a empresa, termina em março de 2012), a Lenovo deve ser lançar no Brasil um tablet para o mercado de consumo, com a marca IdeaPad, já usada para notebooks. "O tablet para consumidores será bem parecido com o LePad, mas com outro nome", afirmou. "Na China, "Le" significa alegria. Em outros lugares do mundo, "Le" parece uma maneira francesa de dizer "o". Mudamos um pouco a marca em outros países."

O mercado de PCs é um mercado de grande escala, margens apertadas e altamente competitivo. Concorrentes como as americanas HP e Dell têm investido na área de serviço, tendo adquirido, respectivamente, a EDS e a Perot, para aumentar suas margens. A Lenovo não fará isso, segundo Read.

"Nossos parceiros de negócios confiam em nós", afirmou. "Não vamos concorrer com eles. Alguns competidores compraram operações de serviços e passaram a competir com o canal. Com o tempo, alguns deles vão acabar saindo do negócio de PCs. A IBM escolheu sair e se focar em serviços. Nós amamos equipamentos pessoais. Estamos nisso a longo prazo."

(Renato Cruz l O Estado de S.Paulo)

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