Contágio seca o crédito externo para as empresas

O crédito externo fechou completamente para as empresas brasileiras em maio, como consequência direta da piora da crise na Europa. Desde o fim de abril, quando Braskem e Banco do Nordeste fecharam operações que somaram US$ 800 milhões (liquidadas no início de maio), nenhuma companhia se arriscou a acessar os mercados internacionais.
 
O aumento da aversão ao risco que, aliada às medidas do governo, levou o dólar a superar a barreira de R$ 2, também acentuou a saída dos investidores de ativos mais arriscados em busca da segurança dos títulos do tesouro americano. Como consequência, os papéis das empresas brasileiras sofreram um aumento de 0,15 a 0,25 ponto percentual nos juros, no mercado secundário.
 
A elevação do custo inviabiliza qualquer tentativa de captação de recursos, mesmo para as grandes empresas que se financiam de maneira recorrente, pois as taxas do secundário servem de base para as novas emissões corporativas.
 
O estrangulamento do crédito externo ocorre após quatro meses de intenso fluxo de dólares para o Brasil. O país atraiu US$ 27,5 bilhões em captação de recursos no exterior neste ano, via lançamento de bônus e crédito sindicalizado – realizado com um pool de bancos. O quadro é bastante similar ao de 2011, quando as empresas aproveitaram as poucas janelas no início do ano para antecipar a captações de recursos e a rolagem de dívidas (trazendo US$ 34,6 bilhões no mesmo período do ano passado).
 
As empresas, portanto, estão capitalizadas. Mas o cenário é desafiador e coloca uma dúvida para o restante do ano. "Se a janela permanecer fechada por muito tempo, pode prejudicar alguns planos de investimentos", diz Alexei Remizov, diretor do HSBC. "A expectativa é que a janela possa se abrir para empresas de primeira linha em algumas semanas, mas talvez as janelas sejam curtas", completa.
 
Remizov, no entanto, não acredita em parada completa. "Os papéis de grande emissores brasileiros têm sido vistos como mais seguros no ambiente global. O Brasil tem crescimento, ainda que mais baixo. Não vejo parada completa de acesso, mas o custo pode subir e o investidor pode se tornar mais seletivo, com demanda limitada aos papéis de qualidade superior."
 
O crédito externo, importante complemento de longo prazo para o financiamento doméstico, é apenas um dos canais de contágio que começam a ser afetados pela piora recente da crise global em meio à expectativa de saída da Grécia da zona do euro. Estão ainda no radar dos especialistas, o comércio exterior (com queda de 22% em doze meses do preço das commodities), e a conta de capitais, sempre um fantasma nas crises passadas.
 
Como consequência, aumentou o temor entre os analistas de uma desaceleração ainda mais forte da atividade econômica. Os economistas começam a considerar pouco provável uma expansão acima de 3% para o PIB neste ano. Entre eles está David Beker, economista do Bank of America Merrill Lynch. Ele acreditava em expansão de 3,4%, mas dado o cenário atual, começou a refazer suas contas e diz que o crescimento "claramente vai ser abaixo de 3%".
 
"As pessoas olham para a Europa e tendem a dizer que o impacto relevante está na Europa emergente, menosprezando o impacto na América Latina. O que está claro é que na medida em que a crise não é restrita à Grécia, já que estamos em uma espiral de baixo crescimento que vai continuar por um período longo de tempo, isso claramente afeta o Brasil", diz.
 
Para 2013, Beker se diz confortável com sua atual previsão de 4,2%. "A partir da segunda metade do ano, a economia vai se acelerar internamente e aumentar o carrego para o próximo ano."
 
Há ainda o temor de que haja uma saída de recursos estrangeiros do Brasil, dado que o estoque de investimento externo é muito grande. Se nos últimos anos o Brasil se inseriu na economia mundial e se beneficiou disso, com aumento das exportações e captação de poupança externa, de outro lado o cenário atual de baixo crescimento passa a afetar a atividade doméstica de maneira mais acentuada. "O Brasil não é uma economia isolada e a dependência tem aumentado, apesar do consumo interno ainda robusto", avalia Beker.
 
O nervosismo dos mercados e uma eventual saída de recursos poderia causar ainda uma maior desvalorização cambial. O BofA Merrill Lynch estima que o cambio de equilíbrio está na casa de R$ 2,1, mas pode se desvalorizar mais num cenário de estresse.
 
Uma crise de balanço de pagamentos, no entanto, foi descartada por Robério Costa, economista do Rabobank. "A possibilidade de crise cambial ou de balanço de pagamento é baixíssima. O país é muito mais robusto que no passado e o fluxo de financiamento do déficit externo é muito sólido, via investimento estrangeiro direto", diz.
 
Segundo ele, pode haver uma diminuição da entrada de dólares, com menor incentivo para valorização do real, mas não uma reversão da tendência de forma a apresentar riscos ao financiamento da conta de capital. "Minha impressão é que, se os mercados se acalmarem minimamente, o dólar volta a se depreciar contra o real."

(Fernando Travaglini | Valor)
 

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