CVM tem poder, mas ainda não tratou do assunto

Enquanto as associações de mercado criam autorregulação para os laudos, o regulador tem a faca e o queijo na mão desde 2009. Na alteração da Lei das Sociedades por Ações daquele ano, com a Lei 10.941, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) passou claramente a ter o direito de regular os laudos para operações de fusão, incorporação e cisão. A previsão consta de dois artigos, 226 e 252.

As mudanças feitas em 2009 tinham como foco as questões contábeis, por conta do processo de internacionalização das normas brasileiras de contabilidade, para adoção do padrão IFRS. Entretanto, tais artigos foram inseridos discretamente. E praticamente nenhum agente de mercado se deu conta dessa alteração.

Na opinião de um dos participantes do debate sobre essa mudança, a CVM poderia – para os polêmicos casos de incorporação de controlada – estabelecer procedimentos rígidos. Como alternativa, a autarquia poderia eximir a adoção desses processos se as condições da operação fossem submetidas em assembleia à aprovação dos minoritários, sem o voto do controlador. Seria um estímulo para o controlador abrir mão de seu voto.

Esse é, aliás, um pleito de diversos investidores. O potencial conflito nas incorporações – a mais polêmicas das transações que demandam um laudo – é tratado pela CVM no Parecer de Orientação nº 35, que sugere a estruturação de um comitê para negociar, em nome da empresa que será incorporada, as condições da operação. A alternativa à criação do comitê é deixar a decisão para os minoritários. Até hoje, contudo, nas cerca de uma dúzia de transações que seguiram o parecer, a grande maioria optou pelos comitês. Mas, aos olhos dos investidores, o resultado nem sempre foi satisfatório.

Até hoje, a CVM não tomou nenhuma iniciativa para regular os laudos propriamente. O parecer sobre incorporações foi o meio que a autarquia encontrou de chegar mais perto do tema, concentrando-se na operação mais polêmica que demanda laudo. Consultada, a autarquia não comentou o assunto.

Alberto Kiraly, vice-presidente da Associação Nacional das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), acredita que as divergências entre minoritários e controladores a respeito das premissas de um laudo são naturais. "O confronto é normal." Segundo ele, o mais importante é que uma avaliação seja sempre feita com critério e consistência. A ideia de uma autorregulação, portanto, seria para tratar de processos que possam melhorar e padronizar os documentos.

Nas discussões de autorregulação, critérios, processos, transparência e independência devem ser os pontos mais abordados.

Para Ana Cristina França, diretora da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) e sócia da Apsis, o objetivo é justamente criar um padrão para os trabalhos. "Não se trata de reinventar a roda, mas é fundamental tratar da questão por escrito." Ela enfatiza que o fato de haver subjetividade nos laudos não impede algumas padronizações. "A medicina e o direito também são subjetivos", compara.

Nelson Eizirik, jurista que está à frente dos estudos sobre o Comitê de Fusões e Aquisições (CAF) que a bolsa pretende criar em conjunto com outras entidades de mercado, acredita que a independência é a abordagem mais importante a ser debatida na autorregulação.

Segundo ele, é essencial ficar claro nessas regras que o avaliador não pode ter sua remuneração atrelada ao sucesso da operação.

Na carta diretriz do IBGC, o assunto também aparece. Além de fazer a vedação mencionada por Eizirik, o instituto de governança sugere que na ata da reunião de conselho que aprovar a escolha do avaliador conste os valores a serem pagos pelo laudo, bem como a existência de outros contratos do avaliador com a companhia nos últimos 24 meses.

Na opinião do presidente da Amec, Edison Garcia, o laudo das operações devem ser feitos antes que as companhias anunciem os preços e condições das operações, para que se evitem as "influências externas". (GV)

(Valor)

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