Efeitos da nova Lei da Concorrência

Empresas envolvidas em fusões e aquisições no Brasil sempre se beneficiaram da ausência de impedimentos, sob o ponto de vista concorrencial, para o fechamento imediato das operações. Por outro lado, diversos aspectos da atual lei de defesa da concorrência (Lei nº 8.884, de 1994) são alvos de críticas da comunidade empresarial, tais como o critério de notificação das operações, a duplicação de guichês e a ausência de prazos firmes para sua conclusão.
 
Mesmo com as adversidades promovidas pela própria legislação, não se pode olvidar todos os esforços que sempre foram empregados pelas autoridades visando a maximização da eficiência do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), bem como a promoção de maior segurança jurídica aos administrados.
 
Em resposta aos anseios das comunidades jurídica e empresarial e a crescente importância que os instrumentos de preservação da livre concorrência vêm adquirindo no Brasil, foi sancionada recentemente a Lei nº 12.529, de 2011, que entrará em vigor no dia 29 de maio, e que introduz significativas mudanças à legislação brasileira.
 
Dentre tais mudanças, merece destaque a simplificação da estrutura do sistema concorrencial brasileiro: a Secretaria de Direito Econômico (SDE) será incorporada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que passará a ser formado por uma Superintendência, pelo Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, por um Departamento de Estudos Econômicos e pela Procuradoria do Cade. A Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) figurará como órgão integrante do SBDC, porém independente, e atuante como tutor da advocacia da concorrência.

Contudo, a principal alteração introduzida pela nova lei consiste na adoção de um sistema de notificação prévia, ou seja, a análise e decisão do Cade ocorrerão previamente à conclusão do negócio realizado. Assim, as partes deverão submeter a operação ao Cade e aguardar a decisão final da autoridade para consumar seu negócio, a exemplo do que ocorre em jurisdições de tradição que possuem controle de fusões e aquisições.
 
Com a adoção da notificação prévia, o Cade terá um prazo de 240 dias para analisar o caso e proferir sua decisão, prazo este prorrogável por mais 90 dias a pedido do Cade, ou 60 dias a pedido das partes. Nesse período, as partes estarão proibidas de adotar quaisquer medidas para implementação da operação.
 
Outra alteração que merece destaque é a implementação de uma regra de "minimis" nos critérios de notificação de operações ao sistema. Assim, além do atual critério de faturamento de R$ 400 milhões no Brasil, por um dos grupos envolvidos na operação, criou-se um segundo critério que requer que pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado no Brasil, faturamento equivalente ou superior a R$ 30 milhões. A nova lei extinguirá ainda o atual critério e participação de mercado, segundo o qual é obrigatória a notificação de operações que impliquem em participação igual ou superior a 20% de um mercado relevante. Essa alteração é bem-vinda, na medida em que restringirá o número de operações que serão submetidas para a análise do Cade.
 
Da mesma forma, a Lei nº 12.529 inova ao conceituar o termo "ato de concentração", que passa a compreender a fusão de duas empresas independentes; a aquisição do controle ou partes de outra empresa; a incorporação de outra empresa; e a associação, criação de consórcio ou joint venture. Embora o rol taxativo traga mais clareza ao determinar exatamente quais atos devem ser submetidos, novos modelos de operações que possam vir a surgir no futuro podem exigir uma revisão do rol.
 
Fato de grande preocupação para a comunidade empresarial, contudo, foi o veto ao artigo 64, o qual previa a aprovação automática para atos não aprovados pelas autoridades no prazo legal estabelecido pela lei. Apesar da expectativa de edição de regulamentação infralegal sobre a questão, o efeito prático do veto implica na ausência de qualquer sanção para o descumprimento, por parte das autoridades, do prazo máximo de análise, o que poderia estendê-la de forma indeterminada, perpetuando o impedimento legal para o fechamento da operação.
 
Em vista dessas mudanças, principalmente no que tange ao novo sistema de notificação prévia, a nova lei deve afetar de forma significativa as negociações de fusões e aquisições que requeiram notificação obrigatória ao sistema.
 
Dessa forma, se considerações sobre os aspectos competitivos envolvidos nas operações costumam atualmente surgir apenas ao final das negociações, os "cadistas" passarão a trabalhar sob maior pressão, de forma a garantir que não haja qualquer atraso desnecessário para a aprovação das operações.
 
As partes envolvidas terão maiores incentivos para que as notificações sejam completas e precisas, a fim de se possibilitar uma revisão mais célere por parte das autoridades, fato que exigirá antecipação às discussões comerciais e maior preparação. Assim, os cadistas deverão elaborar os documentos necessários à notificação em paralelo às negociações e elaboração do contrato.
 
Outra questão que passa a ter maior relevância seria o uso de "contas escrow" para o depósito do preço acertado nas fusões e aquisições quando o comprador negociar sua isenção ou compartilhamento dos riscos decorrentes da não aprovação, ou aprovação condicionada. Atualmente, os agentes brasileiros não se comportam de forma tão ativa se comparados aos agentes estrangeiros quando da decisão de liberação dos valores, muito em razão do receio de serem dragados para eventuais litígios.
 
Não obstante os desafios que se colocam, o novo marco regulatório da lei de defesa da concorrência é muito bem-vindo, pois alinha o ordenamento jurídico concorrencial brasileiro ao amadurecimento econômico do Brasil, fornecendo um ambiente de melhoria ao desenvolvimento empresarial e crescimento sustentado.
 
Paulo Frank Coelho da Rocha e Bruno De Luca Drago são, respectivamente, sócio do departamento empresarial do escritório Demarest e Almeida Advogados e sócio júnior do departamento concorrencial do mesmo escritório.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

(Paulo F. C. da Rocha e Bruno De Luca Drago | Valor)
 

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