Gafisa deixa mercado ainda mais confuso

Após vários dias de rumores, a Gafisa divulgou comunicado que aumentou a incerteza e a especulação dos investidores em relação à empresa. Respondendo a questionamento da bolsa, disse não ter nenhuma informação sobre uma "suposta oferta pública" para suas ações. Por outro lado, informou que a GP Investimentos e a Equity International, do investidor Sam Zell, dois ex-acionistas da companhia, fizeram "proposta preliminar de aquisição de ativos, sujeita a determinadas condições, que está sendo examinada pela administração". Procurados, Gafisa, GP e Equity não deram entrevista.
 
Em tese, os ativos que a Gafisa poderia oferecer para a venda envolvem Alphaville, braço voltado à alta renda; Tenda, que atende à baixa tenda; ou ainda terrenos e projetos em construção.
 
O negócio da Gafisa desejado por investidores é Alphaville.

A marca é a mais rentável da empresa, com margens entre 45% e 50%. Para efeito de comparação, a margem bruta da empresa toda foi de 29,5% no terceiro trimestre, enquanto Tenda vem apresentando desempenho do indicador abaixo de 20%. Há comentários de que Alphaville seria avaliada em patamar de R$ 900 milhões a R$ 1,3 bilhão.

Comenta-se no mercado, há meses, que uma série de "players", incluindo GP e concorrentes na bolsa, procuraram a Gafisa interessados nesse negócio especificamente. A Gafisa sempre recusou-se a vender o ativo, porque é sua operação mais rentável. Caso se desfaça dela, fica ainda mais atrelada à problemática Tenda. Se a Gafisa está cogitando agora vender Alphaville, pode significar que está com saúde operacional e financeira em condições muito delicadas, segundo analistas.
 
De acordo com fontes, Sam Zell conversou com hedge funds para buscar investidores interessados em Alphaville. O Equity possui um fundo com cerca de US$ 650 milhões disponíveis. A GP possui US$ 620 milhões para investir, que estão em seu fundo V. No mercado, comenta-se que a gestora quer voltar ao setor imobiliário via parcerias também em empreendimentos específicos.
 
Concentrar seus negócios em Tenda significará para a Gafisa estar à mercê de uma empresa adquirida em 2008 que levou o seu desempenho e, consequentemente, a performance de suas ações na bolsa ladeira abaixo.
 
As histórias no mercado são que a Tenda não verificava as condições de crédito de quem comprava os seus apartamentos e sequer visitava os terrenos onde lançava empreendimentos. Vender sua operação para baixa renda seria, em tese, uma melhor solução para a empresa, que se livraria de um problema que há mais de três anos não consegue resolver.

Um analista observa que o Equity negocia a compra do controle da Thá, um grupo paranaense com atuação nas áreas de incorporação, engenharia e vendas de imóveis. Ativos da Tenda poderiam ser inseridos no negócio. No entanto, há quem duvide da possibilidade.

Dentro da própria Gafisa comenta-se que os ativos que estão, de fato, à venda são terrenos que pertenciam à Tenda, onde não serão mais desenvolvidos projetos, segundo uma fonte de mercado.
 
No fim do ano passado, a Gafisa informou que está fazendo uma reavaliação de projetos da Tenda e que cancelamentos podem alcançar 2 mil unidades. Um analista de banco internacional, à época, avaliou que o impacto negativo nas receitas poderia chegar a R$ 200 milhões.
 
Existem cálculos no mercado, porém, que incluem revisão de custos de futuras obras, com lançamento de provisões; cancelamento de vendas, com diminuição de recebíveis e cancelamentos de estoques; e uma possível reavaliação no valor desses estoques, que levariam a Gafisa a fazer uma baixa contábil que poderia ser muito próxima de R$ 1 bilhão – soma muito elevada, ainda mais considerando que o valor de mercado d a empresa está em R$ 2,2 bilhões.
 
Além de dificuldades operacionais e financeiras, a empresa também enfrenta problemas contábeis nos Estados Unidos. A companhia possui American Depositary Receipts (ADRs, recibos de ações) negociados em Nova York e ainda não entregou balanços auditados no padrão americano referentes aos anos de 2009 e 2010. A Bolsa de Nova York deu prazo até julho para que ela apresente os números. Do contrário, será deslistada.
 
Entre os pontos em discussão estão recebíveis, que a empresa considera como caixa. O caixa é usado nas condições dos contratos de endividamento da empresa.
 
Nessa situação, fica difícil imaginar interessados em comprar o controle da companhia.

Ontem, os analistas não conseguiram imaginar quais terrenos e projetos, não necessariamente atrelados às marcas Tenda e Alphaville, que a Gafisa poderia vender e que teriam porte para interessar a Sam Zell e GP.

A venda de Alphaville também estaria na contramão de sua anunciada intenção de elevar a participação nesse negócio e de se tornar uma empresa menor, porém mais rentável. No ano passado, a Gafisa respondeu por 61% dos lançamentos, Alphaville, por 28% e Tenda, pelos demais 11%. Enquanto o Valor Global de Vendas (VGV) lançado pela companhia caiu 21% ante 2010, os da marca Alphaville cresceram 31% na mesma base de comparação. As vendas contratadas consolidadas caíram 16% no ano, mas as de Alphaville subiram 41%.

A Gafisa comprou 60% da Alphaville no segundo semestre de 2006 e, posteriormente, elevou a fatia para 80%. Em outubro, deu início à aquisição dos 20% que ainda estão nas mãos dos antigos donos da Alphaville. Ainda não se sabe se essa compra da parcela remanescente já foi concluída, o que também suscita dúvidas de como seria uma possível venda total ou parcial da marca.
 
Outra avaliação do mercado é que vender Alphaville não seria uma opção, mas talvez a única possibilidade de a companhia reforçar seu caixa e reduzir seu nível de endividamento. Em setembro de 2011, a relação entre dívida líquida e patrimônio era de 75,3%.

(Ana Paula Ragazzi e Chiara Quintão | Valor)

 

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