Garoto quer ser a joia da coroa da Nestlé no Brasil

O português António Diogo, diretor-geral da Garoto, não quer concorrer com o Convento da Penha, fundado pelo Frei Pedro Palácios em 1558 e principal atração turística da região metropolitana de Vitória, capital capixaba. "A fábrica da Garoto e sua lojinha ficam com o segundo lugar entre os pontos mais visitados de Vila Velha, sem problemas", brinca Diogo, para ressaltar que apenas nesse quesito aceita ser vice. A meta desse administrador de 43 anos, que há dez meses assumiu o comando da fabricante de chocolates, está em consolidar a empresa como a joia da coroa da Nestlé no Brasil.
 
Às vésperas de completar 10 anos da aquisição da Garoto, anunciada em fevereiro de 2002, a Nestlé vê a marca capixaba crescer mais que o seu próprio nome no mercado nacional de chocolates. Desde o ano passado, o crescimento de vendas das Garoto é maior que o da Nestlé em volume. Este ano, a fabricante de Vila Velha praticamente se igualou à controladora no aumento de vendas em valor (ver tabela). A aquisição da Garoto chegou a ser vetada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), mas a Nestlé recorreu na Justiça.
 
A venda de chocolates no Brasil, que movimenta cerca de R$ 6 bilhões ao ano, está cada dia mais concentrada entre as três principais marcas – Lacta (da Kraft), Nestlé e Garoto. Juntas, elas têm 87% do volume vendido, contra 85% verificados em 2009. Mas quem puxa esse movimento é a Garoto, que cresce em participação, enquanto a Nestlé e a Lacta perdem espaço.
 
Segundo Diogo, o Grupo Nestlé investiu R$ 250 milhões, entre 2008 e 2011, para aumentar a capacidade produtiva da Garoto e lançar produtos. As novidades passaram a se concentrar sob quatro marcas guarda-chuva – Garoto, Talento, Serenata e Batom.

"Desde 2002, houve praticamente uma renovação completa do portfólio", afirma o executivo, sem revelar o tamanho do mix. Em 2008, a Garoto passou a adotar a estratégia da Nestlé de usar o mesmo nome para diversas categorias, com as suas principais marcas. Foi assim que surgiram, por exemplo, o sorvete Talento, a barrinha de cereais Garoto e, este ano, o biscoito Serenata de Amor, no formato "tortinha".
 
No momento, a distribuição dos biscoitos está restrita ao Nordeste e Espírito Santo. A produção é terceirizada e está a cargo da J. Marino, de Catanduva (SP), dona da marca de biscoitos Itamaraty. "Os resultados são bastante promissores e a distribuição pode se estender ao resto do país", diz Diogo, que também estuda a entrada da Garoto em novas categorias no ano que vem.
 
Para uma fonte ligada à Nestlé, toda essa movimentação em torno da Garoto, inclusive o aumento da sua participação de mercado sobre a marca suíça, é proposital. "A Nestlé quis valorizar a Garoto para tirar o foco de si mesma", diz a fonte. Isso porque, conforme publicou o Valor em 24 de agosto, o Cade admite reabrir o processo Nestlé-Garoto. Se isso acontecer, uma das alternativas para o órgão permitir a aquisição é a venda de parte dos ativos da Nestlé no país. A empresa capixaba tem apenas uma fábrica, em Vila Velha, o que torna a sua divisão impossível. Mas isso não acontece na Nestlé, dona de 31 fábricas no Brasil.
 
Nesses dez anos, a multinacional suíça aproveitou o "expertise" da Garoto no seu próprio negócio. Segundo fontes do setor, a Garoto foi pioneira na implantação do sistema "brocker" de distribuição para o pequeno varejo, como supermercados de até quatro caixas, padarias, bares, restaurantes e lojas de conveniência. São usados distribuidores responsáveis por determinado espaço geográfico e que atuam sob contrato. Nesse modelo, a nota é emitida pela Garoto, que determina a política comercial de preço e produto oferecido a cada região. Mas a força de vendas é do distribuidor, que recebe por comissão.
 
A Garoto adota o sistema "brocker" desde 1998 e o reforçou com a mudança de controle. "Adaptamos nossa rede para chegarmos a mais pontos de venda e, assim, atingirmos mais consumidores", afirma Diogo, revelando que o número de revendas da marca aumentou em 25 mil este ano, para 400 mil pontos de venda. "Isso é a metade do total do painel de vendas da categoria no país, o que torna a Garoto a marca com a melhor distribuição do mercado nacional de chocolates", diz ele. O modelo de "brockers" é tão eficiente na distribuição que desde 2004 foi adotado pela Nestlé.
 
A Garoto fechou 2010 com receita líquida de R$ 1,17 bilhão, 4,4% superior à do ano anterior. O lucro líquido, no entanto, caiu 27,4%, para R$ 124,1 milhões. Segundo Diogo, a variação se deve a "operações extraordinárias". A empresa afirma ter feito uma provisão acima do previsto para risco de perdas de créditos tributários.
 
"Se não fosse isso, a Garoto teria mantido a média de crescimento de Ebitda [lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização] e lucro líquido em linha com os últimos anos", diz Diogo, prata da casa da Nestlé, onde está há 20 anos. Antes da Garoto, o executivo passou seis anos no Brasil para comandar a CPW, divisão de cereais da multinacional suíça em parceria com a General Mills. "Só saí depois de conquistarmos a liderança", diz, sem falsa modéstia.

(Daniele Madureira | Valor)

+ posts

Share this post