IPO do BTG pode reabrir o mercado de ofertas de ações no Brasil

A abertura de capital será a primeira no Brasil desde julho, após um ano no qual a crise da dívida europeia secou os recursos para os mercados emergentes

De volta ao jogo. É para onde o bilionário André Esteves está conduzindo o Brasil com a abertura de capital do Banco BTG Pactual SA, operação que pode reabrir o mercado para ofertas públicas iniciais de ações, diminuindo a dependência que a economia nacional tem de recursos do governo.

“De volta ao jogo”, ou “Back To the Game” em inglês, é também um dos significados que o próprio Esteves, de 43 anos, dá à sigla BTG, cujos ativos dobraram e o capital triplicou desde 2009, quando o bilionário recomprou o banco do UBS AG.
 
A abertura de capital do BTG será a primeira no Brasil desde julho, após um ano no qual a crise da dívida europeia secou os recursos para os mercados emergentes. O sucesso da operação pode abrir caminho para mais 40 ofertas iniciais de ações, avaliadas em US$ 28 bilhões pela BM&FBovespa SA, reduzindo o papel do governo como o principal provedor de recursos para empresas privadas.
 
“Esteves não quer mais ser somente um banqueiro jovem e agressivo”, disse Ricardo Rocha, professor de finanças do Insper em São Paulo. “Ele quer ser um ator principal na economia brasileira e expandir seus negócios no Brasil e na América Latina em um mundo no qual falta capital para os grandes bancos internacionais.”
 
O governo está presente em boa parte dos financiamentos concedidos no Brasil. Bancos controlados pelo Estado aumentaram a participação no mercado de crédito para 44 por cento em janeiro, na comparação com os 42 por cento no mesmo mês de 2011 e de 34 por cento em agosto de 2008, segundo o Banco Central.
 
Banco Panamericano
 
O alcance total do governo não se reflete nesses números, que excluem o crédito de instituições como o Banco Votorantim SA e o Banco Panamericano SA, nos quais o Estado tem participação inferior a 50 por cento das ações com direito a voto.
 
O governo brasileiro também é dono de algumas das maiores empresas do País, incluindo a Petróleo Brasileiro SA, a maior companhia em valor de mercado na BM&FBovespa, e a Centrais Elétricas Brasileiras SA, líder no setor na América Latina.
 
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social ajuda a financiar algumas das maiores aquisições que ocorrem no País. A JBS SA, maior frigorífico do mundo, vendeu R$ 3,48 bilhões em debêntures conversíveis para o BNDES em 2009 para financiar a aquisição da Pilgrim’s Pride Corp. e da Bertin SA. Entre 2000 e 2010, o BNDES emprestou R$ 11 bilhões ao grupo Oi- Telemar além de injetar outros R$ 2,6 bilhões em 2008 em uma reestruturação da empresa. Luciano Coutinho, presidente do banco estatal, disse na ocasião que a ajuda do Estado era justificada para criar uma empresa com escala para competir globalmente.
 
Família Rothschild
 
O BTG é controlado por Esteves, seus sócios executivos e por um grupo de investidores que inclui as famílias Rothschild e Agnelli, esta última dona da Fiat SpA.
 
A instituição vai “abrir as portas para outras empresas acessarem os mercados de capitais”, disse o fundador do Banco Pactual SA, Luiz Cezar Fernandes, que hoje é presidente da Laep Investments Ltd. Para ele, o Brasil “precisa de um mercado de ações forte” para continuar crescendo.

Fernandes, de 66 anos, criou o Pactual em 1983. A intenção, disse ele, era criar uma “cópia com sabor tropical” do Goldman Sachs Group Inc., baseado em Nova York. Por vezes, o próprio Esteves brinca ao dizer que a sigla BTG significa “Better Than Goldman”, ou “melhor do que o Goldman”, em inglês.

Oficialmente, a sigla BTG significa “Banking and Trading Group.”
 
Fim da ‘tristeza’
 
Fernandes contratou Esteves como analista de sistemas em 1989 e foi seu mentor na área de bancos de investimento. Em 1998, sofreu uma manobra do protegido, que exigiu que Fernandes vendesse sua participação no banco em troca de empréstimos que precisava para outros negócios. Fernandes, que mais tarde diria que Esteves “venderia a própria mãe em troca de poder”, disse em entrevista neste mês que a “tristeza” daqueles dias ficou para trás. Ele disse estar feliz em ver que o BTG é tão bem sucedido a ponto de abrir capital
 
O Goldman Sachs tentou comprar o banco de Esteves pouco antes de ele acabar vendendo o Pactual para o UBS AG por US$ 3,5 bilhões, em 2006, negócio que o tornou bilionário. Como executivo do UBS, Esteves tentou comprar todo o banco suíço globalmente em 2007, sem sucesso. Acabou recomprando o Pactual em 2009 por US$ 2,5 bilhões.
 
Desde então o banco tem sido uma “locomotiva de crescimento”, disse Ceres Lisboa, analista de bancos da Moody’s Corp. O capital total aumentou de US$ 2 bilhões para US$ 4,75 bilhões e os ativos sob gestão pularam de US$ 30 bilhões para quase US$ 100 bilhões, segundo a instituição.
 
Ainda assim, Ceres diz que a maior parte da receita vem de operações da tesouraria, vulneráveis a grandes flutuações entre trimestres. A receita bruta com operações de tesouraria atingiu R$ 4,6 bilhões em 2011, 70 por cento mais que em 2010, disse.
 
Receita ‘volátil’
 
“Eles têm uma área de tesouraria muito ativa e agressiva, mas é uma fonte volátil de receita que aumenta o risco do banco”, disse a analista da Moody’s.
 
As taxas de administração cobradas na gestão de ativos e de fortunas, uma fonte mais estável de receita, também cresceram, de R$ 343,4 milhões em dezembro de 2010 para R$ 511,5 milhões em 2011. O total bruto de receitas de serviços, que incluem corretagem e também comissões de banco de investimento, avançou de R$ 798,8 milhões para R$ 1,087 bilhão no mesmo período.
 
O lucro do BTG chegou a R$ 1,9 bilhão no ano passado, 19 por cento mais que em 2010. O retorno sobre o patrimônio médio caiu de 27,5 por cento para 24,4 por cento, mas continua sendo o maior entre os principais bancos brasileiros. Nesse quesito, o BTG faz jus ao apelido “Better Than Goldman”, uma vez que o banco de Nova York apresentou retorno sobre o patrimônio bem inferior em 2011, de 3,7 por cento.
 
Fusões e aquisições
 
O BTG, com sede em São Paulo, liderou o ranking de assessoria em fusões e aquisições no Brasil em 2011 e foi o segundo maior em ações, segundo dados compilados pela Bloomberg. O banco ficou na segunda posição em distribuição de renda fixa, subindo do sexto lugar em 2009, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, conhecida como Anbima. O BTG é o sexto maior em gestão de ativos, atrás dos grandes bancos de varejo, segundo a Anbima.
 
Em junho, o BTG anunciou seu primeiro fundo de private equity, de US$ 1,6 bilhão. Os sócios e funcionários investiram US$ 200 milhões. Outros US$ 500 milhões vieram do capital do próprio Banco BTG, disse Carlos Fonseca, que comanda a unidade de private equity da instituição. Isso significa que cerca de 15 por cento do capital do banco está investido em private equity. Esteves disse em fevereiro que planeja criar um novo fundo de investimento de pelo menos R$ 3 bilhões dedicado a projetos de infraestrutura no Brasil.
 
A abertura de capital dará aos investidores participação no Banco BTG e também na BTG Participations Ltd., empresa dona do negócio de private equity do BTG. As duas instituições investiram mais de US$ 2,8 bilhões desde o começo de 2009 em 17 aquisições, segundo dados compilados pela Bloomberg.

Os investimentos do BTG incluem a Brasbunker Participações SA, especializada em transporte em alto-mar e serviços de petróleo e gás, e a Brazil Pharma SA, maior rede de farmácias do País em número de lojas.
 
No setor imobiliário, o BTG comprou o controle da WTorre Properties SA, que em 2001 se fundiu com a BR Properties SA, em setembro. O banco de Esteves é dono de 40 por cento da Estapar, maior administradora de estacionamentos do País, e de uma fatia da ERSA-Energia Renováveis SA, uma das controladoras da CPFL Energias Renováveis SA, a maior do ramo no Brasil.
 
O BTG ajudou o governo em fevereiro de 2011, quando concordou em pagar R$ 450 milhões por 50,01 por cento do capital votante do Panamericano, o banco de São Paulo que foi resgatado em 2010 em meio a acusações de fraude contábil. O Panamericano deu a Esteves uma parceria com a Caixa Econômica Federal, controlada pelo governo e líder em financiamento imobiliário no País.
 
O BTG também é parceiro do governo na Sete Brasil Participações SA, fornecedora de plataformas petrolíferas controlada pela Petrobras, por bancos e fundos de pensão.
 
Setor imobiliário
 
Em dezembro, Panamericano e BTG anunciaram a compra da Brazilian Finance & Real Estate SA, maior emissora de Certificados de Recebíveis Imobiliários, por cerca de R$ 1,2 bilhão.
 
No mês passado, o BTG anunciou a aquisição da corretora chilena Celfin Capital SA por US$ 245 milhões em dinheiro e 2,4 por cento do capital próprio. A parcela em ações do BTG representou cerca de US$ 355 milhões, segundo uma pessoa a par da operação. A parcela indica que o valor de mercado do BTG seria cerca de US$ 15 bilhões.
 
Esteves e seus sócios não vão vender ações na abertura de capital e alguns planejam recomprar novos papéis para evitar a diluição de suas participações, segundo uma pessoa familiarizada com a operação. Ela pediu anonimato porque o assunto é privado.
 
Outros acionistas, como J.C. Flowers & Co., Government of Singapore Investment Corp., China Investment Corp. e Abu Dhabi Investment Council, poderão vender suas participações.
 
Esteves ainda não disse quantas ações serão vendidas na abertura de capital ou quando o banco fará a oferta. Os recursos serão usados para “continuar expandindo seus negócios” e para melhorar sua “estrutura de financiamento”, segundo comunicado ao mercado neste mês.
 
“O BTG não está simplesmente coletando taxas ou negociando derivativos, também está colocando capital para trabalhar em negócios produtivos”, disse o fundador do Pactual Fernandes. “O que Esteves está tentando vender na abertura de capital não é só um banco, mas também o Brasil.”
 
BTG, BNDES e Ministério da Fazenda não quiseram fazer comentários para esta matéria.

(Cristiane Lucchesi | Exame)

 

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