Janela estreita

As duas empresas que tentaram acessar recursos no mercado neste início de ano tiveram de adiar as operações.
 
Depois da Seabras, prestadora de serviços para o setor de petróleo, paralisar sua distribuição na semana passada por problemas contratuais, ontem, em função de um apetite muito pequeno dos investidores, foi a vez da Brasil Travel, que reúne empresas ligadas ao turismo, interromper sua oferta. Há seis meses, nenhuma nova empresa estreia na BM&FBovespa.
 
A alta da bolsa neste ano, a percepção de menor volatilidade nos mercados e o cenário positivo para o Brasil levaram os bancos a acreditar que haveria uma janela aberta para as operações, o que não se confirmou.
 
Antes de anunciar o adiamento, a Brasil Travel tentou até o último minuto colocar a operação na rua. A definição do preço dos papéis estava originalmente marcada para a quarta-feira, mas acabou transferida para ontem.
 
Inicialmente, a faixa de preço sugerida variava de R$ 1.250 a R$ 1.650. Segundo informações de mercado, no dia da precificação, pela manhã, os coordenadores informaram que o piso seria reduzido a R$ 1.000. À tarde, nova redução de preço foi necessária e o piso baixou para R$ 850 – ainda assim, apenas 70% dos papéis ofertados seriam comprados.

Esse novo valor era praticamente metade do topo inicialmente pretendido na oferta pelos acionistas vendedores.
 
A operação da Brasil Travel era majoritariamente secundária, com sócios fundadores se desfazendo de parte de suas ações. Calculando o total de papéis ofertados pelo topo do intervalo de preço sugerido, a oferta poderia alcançar R$ 1,4 bilhão, sendo que apenas 22,5%, ou cerca de R$ 315 milhões, ingressaria no caixa da empresa.
 
Ao concordar com a redução drástica do preço, os atuais acionistas, conforme comunicado divulgado pela empresa, sinalizavam "seu comprometimento" em finalizar a operação.
 
Em contrapartida, os vendedores solicitaram à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) um aumento na proporção de ações que poderiam ser compradas por pessoas vinculadas à empresa na oferta. Normalmente, o máximo permitido a esses investidores vinculados é um lote de 15% dos papéis. O percentual foi ampliado para 50%.
 
Elevando-se esse pedaço, os mesmos acionistas que venderam mais barato na oferta secundária poderiam comprar as ações nesse mesmo valor na oferta primária, o que, de certa forma, tenderia a compensar as suas perdas. Ao mesmo tempo poderiam comprar e vender ações por um preço que consideram barato, mas apostando que, mais à frente, quando estiverem na bolsa, as ações terão valorização que proporcionará lucro.
 
A elevação do percentual destinado a pessoas vinculadas faria com que os próprios acionistas atuais, portanto, pudessem ajudar a garantir a demanda para metade da operação.
 
Por outro lado, essa medida gerou uma outra grande preocupação aos investidores. As ações compradas na oferta ficariam com uma restrição à venda por um período de seis meses. Depois desse prazo, se esses papéis se valorizassem, uma grande quantidade poderia ser vendida na bolsa, com os investidores querendo, finalmente, embolsar lucros. Esse fator acabou aumentando a preocupação dos investidores, uma vez que as ações da Brasil Travel, diante dessas novas condições da oferta e também pelo fato de serem destinadas apenas a qualificados, deveriam ter pouca liquidez na bolsa.
 
Um analista comentou que, apesar desse aspecto, é inegável afirmar que empresa e coordenadores fizeram todo o possível para que a oferta tivesse êxito.
 
A forte redução no preço também gerou questionamentos quanto à viabilização do negócio. Com menos recursos no caixa da companhia, haveria também menos fôlego para a estratégia de aquisições de novas empresas no setor de turismo e abertura de novas lojas.
 
Um outro ponto comentado pelo mercado foi o fato de a Brasil Travel ser uma companhia que passaria a existir apenas no momento da concretização da oferta inicial de ações. Ela seria a reunião de 35 grupos de empresas de vários segmentos de turismo espalhados pelo país.
 
Em tempo de mercado incerto para emissões e inseguro em relação aos cenários econômicos pelo mundo, vender uma oferta com essas características acabou não sendo tarefa fácil.
 
Também circularam muitos comentários relacionados à personalidade forte do fundador da companhia, Pedro Guimarães, um executivo do mercado financeiro. E a definição de um plano de opção de compra de ações por R$ 0,01 cada uma para os três diretores contratados em novembro para comandar a companhia – Paulo Cezar Castello Branco, Marco Antônio França e Celso Barbosa – também causou bastante polêmica.
 
Houve no mercado quem avaliasse que os bancos se apressaram em sair com as ofertas neste início de ano, tentando não perder um momento favorável de mercado.
 
Se tivesse obtido sucesso, a Brasil Travel chegaria à bolsa antes da CVC, operadora de pacotes turísticos – uma oferta aguardada desde o ano passado. Alguns analistas observaram que talvez teria sido melhor a Brasil Travel esperar pela listagem da CVC, pois assim o mercado já teria uma referência maior do setor, não apenas quanto as suas características operacionais como também no que se refere a preço.
 
A pressa, segundo avaliam alguns operadores, também prejudicou a operação da Seabras. Nesse caso, a operação teve de ser interrompida porque não havia tempo hábil para conseguir algumas autorizações da Petrobras, única cliente da empresa, no âmbito de uma reestruturação societária. Na avaliação de investidores, o banco coordenador teria "falhado" em não pressionar a controladora Seadril a dar andamento à operação.
 
A oferta da Brasil Travel foi liderada pelo Credit Suisse e a da Seabras, pelo BTG Pactual. Em período de silêncio, nenhum dos envolvidos concedeu entrevista.

(Ana Paula Ragazzi | Valor)

 

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