Mudanças na direção dão novo perfil à CVM

Entrada de diretores com maior experiência no setor privado deve fazer autarquia assumir perfil mais ‘arrojado’.

A surpreendente indicação de um executivo do setor privado como novo xerife do mercado de capitais foi o último capítulo de uma série de mudanças na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em menos de um ano, a autarquia teve trocas em três das cinco vagas de seu colegiado. A “química” entre os novos diretores ainda é uma incógnita, uma vez que só após a sabatina de Leonardo Pereira – diretor da Gol que deve assumir o comando da CVM – eles atuarão em conjunto.

Para alguns especialistas, o processo de transição marcado por especulações e pela demora no anúncio do eleito da Fazenda deixou a impressão de que falta uma estratégia de governo para o órgão regulador. Dúvidas à parte, a tendência é que, após cumprir uma intensa agenda regulatória nos últimos cinco anos, a “nova” CVM se volte para a evolução do mercado de capitais brasileiro, hoje longe do auge de ofertas vivido na última troca de comando na CVM, em 2007.

A guinada para um perfil mais arrojado foi pavimentada pela própria ex-presidente Maria Helena Santana, responsável pelas indicações de Pereira e da diretora Ana Novaes. Os dois têm larga experiência na gestão de empresas privadas (ele como diretor executivo, ela como conselheira independente). A expectativa é que a principal bandeira do novo presidente seja o aumento do acesso das companhias ao mercado de capitais, em especial as de pequeno e médio porte – o que nem o BNDES nem a Bolsa conseguiram até agora.

Para acadêmicos, o estímulo ao mercado vai além dos IPOs (oferta pública inicial de ações). O regulador poderia ajudar a fomentar o mercado secundário e de dívida no País. “Ele (Pereira) é um técnico que já fez todo tipo de operação: IPOs, emissão de debêntures, ofertas subsequentes. Pelo tipo de jogador escalado, a gente sabe que o jogo será mais agressivo no incentivo a novos players”, afirmou Herbert Steinberg, sócio da Mesa Corporate e membro do Comitê de Governança da Câmara de Comércio Americana em São Paulo, do qual Pereira faz parte.

A expectativa é que o perfil de gestão agressivo de Pereira dê novo ânimo à CVM, a despeito das limitações estruturais e orçamentárias. “Ele é um executivo capaz de animar os outros”, disse uma fonte da autarquia.

Crítica. Já o professor da FEA-USP Alexandre Di Miceli tem uma visão bem mais crítica da sucessão na CVM. Para ele, a disputa pela presidência da autarquia envolveu vários nomes com competências totalmente distintas levados ao ministro Guido Mantega. “Ficou patente que não foi traçado um perfil e, a partir dele, procuradas pessoas que se encaixassem nos atributos”, declarou ele, para quem a escolha de um ex-diretor financeiro para o cargo é controversa.

“Esse modelo foi adotado na Securities Exchange Comission (SEC) americana e gerou problemas. O foco é fazer as regras criadas na última gestão funcionarem. Mas isso muitas vezes significa punir. Nesse aspecto, tenho dúvidas de que o melhor é ter alguém que estava do outro lado do balcão”, disse.

O professor da Escola de Direito da FGV-SP e membro do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (o “conselhinho”), Francisco Satiro, também avalia que a demora no anúncio do escolhido para o lugar de Maria Helena – que só veio três dias após o fim do mandato – deu um recado negativo.

Satiro

acredita que o novo colegiado da CVM promete mais embates. Isso porque o perfil prático de Pereira e Ana Novaes pode se contrapor a orientações mais teóricas de diretores como os advogados Otávio Yazbek e Luciana Dias. “Isso é saudável, mas, até certo ponto, gera insegurança ao mercado”, disse.

O quinto elemento da cúpula da CVM, o diretor Roberto Tadeu Antunes, é considerado um ponto de equilíbrio dentro do colegiado. Assim como Eli Loria, a quem substituiu, Tadeu é funcionário de carreira e grande conhecedor da estrutura e peculiaridades da CVM.

(Mariana Durão | O Estado de S. Paulo)

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