Novas diretrizes

O mercado de capitais brasileiro ainda está amadurecendo, mas já está apto a responder por uma parcela importante do financiamento imobiliário no país. Com o cenário de estabilidade macroeconômica e de redução das taxas de juro, os instrumentos alternativos de crédito para imóveis começam a ganhar força e podem alcançar, numa perspectiva conservadora, pelo menos 20% do estoque de investimentos em renda fixa existentes hoje no país (R$ 1,7 trilhão) nos próximos cinco a dez anos. A estimativa foi feita por Marcelo Michalua, diretor da RB Capital, durante o seminário "Fundo Imobiliário – Soluções de Financiamento para Projetos Imobiliários", realizado ontem pelo Valor, em São Paulo.

Caso a previsão se concretize, só a migração das aplicações de renda fixa para fundos imobiliários somaria R$ 350 bilhões, quase seis vezes o volume de dinheiro disponível atualmente nas três modalidades desses fundos. Hoje, Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs) e a pequena parcela dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FDICs) voltada para imóveis totalizam aproximadamente R$ 60 bilhões.

O total também representa mais do que todo o saldo do principal financiador imobiliário do país, a caderneta de poupança. De acordo com dados do Banco Central e da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), o saldo da poupança fechou 2011 em R$ 331 bilhões, com crescimento de 10% sobre o ano anterior. O financiamento imobiliário encerrou o ano em R$ 114,1 bilhões, 36% acima do resultado de 2010.

De acordo com Michalua, a migração de recursos da renda fixa já começou, ainda que de maneira tímida. Ela tem sido estimulada pela busca de maior rentabilidade, diante da redução dos juros básicos e também dos juros reais no país. No dia 6 de março o BC realizou o quinto corte consecutivo da taxa básica de juros (Selic), levando-a para 9,75%. Os próprios gestores de fundos já estariam recomendando essa migração para compensar a combinação de rentabilidade menor com tributação. Os fundos imobiliários abrem uma nova perspectiva para os investimentos de fundos de investimentos, private banking, family offices, entre outros.

No Brasil, a participação do mercado de capitais no financiamento a imóveis ainda é baixa. Seu crescimento é uma tendência inexorável, disseram os participantes do seminário, em decorrência da combinação de estabilidade econômica, controle da inflação, sistema regulatório avançado e uma percepção de maior segurança no cenário macroeconômico. A avaliação da maioria dos presentes ao seminário é que o país começa a entrar em um novo momento. Sempre muito elevados, os juros dão sinais de que vão se acomodar em um patamar menor, de apenas um dígito, mais condizente com a nova realidade brasileira, disse Valdery Frota Albuquerque, vice-coordenador da comissão de fundos imobiliários da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Os instrumentos alternativos, além de baratear o custo do financiamento imobiliário em um país com déficit de 5 milhões de habitações, servem para suprir a lacuna causada pelo esgotamento do atual modelo, baseado na caderneta de poupança e nos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Há dúvidas sobre a sustentabilidade do atual modelo diante da queda da rentabilidade – devido à baixa dos juros – da poupança, disse o advogado Fernando Augusto Cardoso de Magalhães, presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Imobiliários (Ibei).

O crescimento dos fundos imobiliários tem permitido o surgimento de formas de gestão mais modernas no mercado não só da construção como do próprio imóvel, afirma Michalua. Principalmente no segmento de imóveis comerciais. Ao contrário do que ocorria até bem pouco tempo, as empresas instaladas no país estão abandonando a preocupação com a "sede própria", antes um ativo que sinalizava solidez. A tendência agora é desmobilizar ativos. Várias companhias têm negociado seus próprios imóveis e continuam a utilizá-los como inquilinas.

Outras têm aderido ao build-to-suit, modalidade em que investidores e incorporadoras se unem para criar um imóvel sob encomenda para uma empresa, que assina um contrato de locação de longo prazo para ocupá-lo – conhecido no mercado como contrato atípico. A RB Capital, por exemplo, fechou recentemente um contrato com a loja virtual Hermès para construção de um centro logístico sob medida, no Rio de Janeiro. Com a emissão de R$ 154 milhões em CRIs, a empresa não precisou desembolsar o valor. Os investidores são remunerados pelo fundo e pelo contrato de locação. A RB tem operações semelhantes com a Petrobras (contratos de R$ 2 bilhões entre 2005 e 2010), entre outras.

No segmento residencial, as alternativas são a associação entre incorporadoras e investidores. A incorporadora não cede participação acionária na empresa, mas no projeto. Os investidores tornam-se sócios do empreendimento. O modelo favorece a incorporadora pela rápida e fácil mobilização de recursos para aquisição de terrenos e execução do projeto. Para atenuar os riscos, Michalua defendeu que os investidores participem desse tipo de operação sempre pelo sistema de portfólio, onde o eventual resultado abaixo da expectativa de um empreendimento seja compensado pelos demais.

Os participantes do seminário foram unânimes em dizer que o mercado brasileiro não padece dos mesmos males de outros países, devido à regulamentação, e também pelo fato de o setor ter uma participação pequena. No Brasil, o crédito imobiliário equivale a 4,9% do Produto Interno Bruto (PIB). No Reino Unido, a proporção chega a 87,6%. Também supera os 80% nos EUA, é de 48% na Alemanha e de 11% na China. O crescimento da classe média – cerca de 30% nos últimos cinco anos – também funciona como um atrativo para o setor.

A superintendente de desenvolvimento de mercado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Flavia Mouta, afirmou que um passo importante para incrementar a evolução dos produtos de securitização imobiliária tem sido a regulamentação que o órgão vem fazendo do setor. Segundo ela, a CVM procura introduzir aperfeiçoamentos à legislação, de forma a tornar as operações seguras para as duas pontas- investidor e tomador de recursos.

Flavia destacou as exigências feitas pela CVM quanto às informações exigidas dos gestores de fundos. O Brasil era olhado com estranheza pela comunidade internacional devido a essas exigências, comentou. Quando a crise de 2008 desabou, justamente no mercado de securitização imobiliária dos EUA, o modelo brasileiro tornou-se referência. "A CVM tem uma preocupação muito grande com a qualidade das carteiras", afirmou.

Segundo o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Paulo Safady Simão, a regulamentação da CVM tem ajudado a baixar os indicadores de inadimplência do setor. Em 2003, a taxa era de 11,2%. Em 2011, foi de 2%.

(Roberto Rockmann e Eduardo Belo | Valor)

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