Novidades do IFRS podem afetar primazia do investidor

A quem a contabilidade das empresas atende, a investidores apenas ou a um grupo difuso de partes interessadas, formado por autoridades reguladoras, gerentes e funcionários? Essa questão esteve no centro do debate sobre a contabilidade financeira em 2010 e assim continuará em 2011.

A visão internacional predominante continua sendo a de que os investidores são, de longe, os leitores mais importantes das contas das empresas. Foi o que disse Leslie Seidman, nova presidente do Conselho de Padrões de Contabilidade Financeira (Fasb), órgão encarregado das regras nos Estados Unidos, quando sua indicação foi confirmada na semana passada.

Seidman declarou que o papel do Fasb era ajudar a abastecer "os investidores e outros fornecedores de capital com informações úteis para as [tomadas de] decisões".

Os defensores da primazia das necessidades dos investidores tiveram várias vitórias a comemorar neste ano. Uma grande mudança na contabilidade das operações de arrendamento deverá transferir montanhas de passivos para os balanços patrimoniais, proporcionando um quadro mais claro das dívidas das empresas.

Além disso, mudanças propostas nas normas internacionais de contabilidade IFRS, usadas na União Europeia e em outros países, inclusive no Brasil, impedirão que as companhias contabilizem lucros artificiais com esquemas previdenciários. Também foram tomadas medidas enérgicas contra o uso de formas de camuflagem para mascarar captações de recursos.

Apesar disso, persistem as preocupações de que as necessidades de longo prazo dos investidores são ameaçadas pela pressa em reescrever fragmentos das regras contábeis para cumprir prazos artificiais, fixados por políticos e autoridades reguladoras na esteira da crise financeira mundial.

Os EUA, por exemplo, ainda pretendem decidir neste ano se deixarão de seguir seus princípios contábeis, conhecidos pela sigla USGaap, em favor dos IFRS, mesmo com trabalhos preparatórios para tornar os dois padrões mais similares tendo revelado divergências fundamentais quanto ao uso da contabilidade de valor justo.

A adoção dos IFRS tornará as empresas dos EUA mais atraentes para investidores de fora do país, mas a decisão depende da complexidade que a transição terá para os administradores das companhias americanas e se isso representará algum custo.

Tendo em vista o número de empresas dos EUA sem interesse em ter acesso a capitais internacionais, é bem possível que a resposta fique meio indefinida.

O debate sobre a contabilidade em 2011 não será apenas sobre a qualidade das informações financeiras divulgadas pelas empresas, mas também sobre a quantidade. As autoridades reguladoras, que começaram a pressionar a profissão de auditoria para valer em 2010, podem muito bem pedir a publicação de material adicional.

Mais explicações obrigatórias tornariam os balanços anuais ainda mais longos, trazendo novas sobras às camadas de informações muitas vezes irrelevantes que foram se acumulando ao longo dos anos.

Além disso, as autoridades reguladoras podem, cada vez mais, querer avaliar antes dos investidores o tipo de material que o Fasb chama de "informação útil para as decisões".

É o que vem ocorrendo no Reino Unido, com a retomada de um sistema de conversas entre auditores de bancos e autoridades reguladores, nas quais questões potencialmente graves no setor bancário podem se discutidas sem que os acionistas (que pagam os auditores para que sejam um par extra de olhos) tomem conhecimento.

Apesar da maior influência das autoridades reguladoras, até agora os investidores ainda predominam no que se refere aos balanços. Mas poderão deparar-se, no entanto, com uma luta particular pela frente para defender sua supremacia no Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb, na sigla em inglês), que determina as IFRS.

Os supervisores responsáveis pelo Iasb estão em período de consultas sobre sua futura estratégia. Entre as questões em discussão está determinar até que ponto as regras contábeis devem ter como foco a estabilidade financeira. O prazo da consulta acaba em 24 de fevereiro. Se isso soar como uma ameaça inaceitável para a transparência esperada pelos mercados de capitais, chegou hora de começar a escrever-lhes.

(Valor)

 

 

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