O ano das exposições blockbusters no Brasil

Depois de lida, ensinada e discutida, a história da arte pode ser vista de forma mais ampla pelos brasileiros. O país entrou de vez no roteiro das megaexposições internacionais. A oferta crescente inclui, em 2012, a exibição de nomes cruciais de períodos e estilos diversos. Esculturas do suíço Alberto Giacometti (1901-1966) estão em cartaz no país pela primeira vez. Em breve, a Renascença será representada pelo maior de seus artistas, Leonardo da Vinci (1452-1519), e o barroco, pelo mestre do chiaroscuro Caravaggio (1571-1610). E há ainda muito mais.


"San Giovanni Battista", óleo sobre tela de Caravaggio, artista que terá exposição em maio na Casa Fiat de Cultura, em BH, e no Masp, em SP, em julho.

O bom ano para o circuito das artes estrangeiras no Brasil dá sequência a um processo iniciado há alguns anos e que agora se consolida – após uma conquista inédita em 2011. Um recorde de vontade e de curiosidade com a arte. No ano passado, a exposição "O Mundo Mágico de Escher", no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro (CCBB- RJ) foi marcada por multidões de visitantes. A comoção em torno da obra de M. C. Escher (1898-1972) – artista gráfico holandês especialista no ilusionismo óptico – fez lembrar a mostra de Auguste Rodin (1840-1917) na Pinacoteca do Estado de São Paulo, símbolo do sucesso de exibições de arte para o grande público.
 
Montada em 1995, a retrospectiva dedicada ao escultor francês também ficou na memória por suas filas imensas. A semelhança entre as mostras de Rodin e Escher, no entanto, para por aí. No fim do mês passado, a exposição de Escher no Rio foi apontada pela publicação britânica "Art Newspaper" como a mais popular no mundo (maior média diária de visitantes), com 573.691 visitantes. Somados o público que viu Rodin e o de outras mostras internacionais exibidas na Pinacoteca até 1997, a instituição recebeu 183.329 pessoas. Foi um montante excepcional para a época, mas que parece distante da realidade que fez o CCBB-RJ chegar agora ao topo do ranking da "Art Newspaper".
 
O Brasil recebe grandes mostras internacionais há pelo menos seis décadas, mas até os anos 1980 as iniciativas eram raras e concentravam-se nos eventos promovidos pela Bienal de São Paulo. "A metade dos anos 90, com a realização de mostras como a de Rodin e a de Monet [no Masp, em 1997], foi o momento fundador desse processo atual", diz Marcelo Araújo, diretor da Pinacoteca e recém-nomeado Secretário da Cultura de São Paulo. "O que vemos hoje não é um ”novo boom”, e sim a percepção de um movimento ascendente que começou naquele período."

 Ali iniciava-se um período de fortalecimento estrutural dos museus e profissionalização da área. "Países como Japão, México e Argentina já estavam incluídos no circuito de grandes exposições vindas da Europa e dos Estados Unidos", diz Araújo. "No Brasil ainda havia a falta de espaços capacitados." As instituições detentoras das obras precisam aprovar o local onde os trabalhos serão expostos. Se uma instituição não tiver boas condições de segurança, por exemplo, a negociação não acontece.
 
Nas últimas duas décadas, o Brasil aumentou consideravelmente sua oferta de espaços expositivos. Instituições já existentes como a Pinacoteca e o Museu de Arte Moderna da Bahia passaram por reformas e desenvolveram novas políticas curatoriais. Além disso, foram abertos o Museu Iberê Camargo, em Porto Alegre, o Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães, em Recife, e o Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba. Os novos espaços passaram rapidamente a ser requisitados para itinerâncias internacionais, descentralizando cada vez mais o acesso à arte, antes bastante restrito a São Paulo e Rio de Janeiro.
 
"Nunca tivemos um momento de tanto investimento em museus", diz José do Nascimento Júnior, presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), órgão ligado ao Ministério da Cultura. "Foram implementadas políticas de qualificação de profissionais, de maior acesso às coleções e de digitalização de acervos, além da abertura de editais." Segundo ele, a atividade museológica gera 23 mil empregos diretos e outros cerca de 80 mil indiretos. Ele afirma que há hoje 3116 museus em atividade no país e mais de 90 em fase de implementação. "Há projetos em negociação que visam o melhor preparo das instituições para a Copa e a criação de um parque industrial voltado a atender museus", diz Nascimento Júnior.
 
A Lei Rouanet, que permite abatimentos no imposto de renda de quem investe em cultura, impulsionou a terceirização de serviços e o surgimento de um mercado voltado para a montagem de exposições. São empresas especializadas em produção de mostras, vitrines, segurança de museus, instalações cenográficas etc. "Nós não existimos sem a Lei Rouanet", diz Arnaldo Spindel, sócio da produtora Base7, especializada em projetos de artes e museologia. A maior oferta de mostras para além do Sudeste tem a ver também com a lei. É mais fácil encontrar patrocinadores quando uma exposição passa por diferentes cidades e tem públicos diversos.

"Exposição internacional não é como fazer show, em que a venda de ingresso paga o projeto. As mostras normalmente são de graça ou com ingresso barato, cuja arrecadação fica para o museu." A Base7, responsável por organizar exposições importantes como as de Giacometti e de Caravaggio, tem como principais fontes de faturamento outras atividades, como a criação de museus empresariais. A montagem de mostras importantes acaba servindo como um certificado de qualidade para a produtora. "Se considerar o trabalho que dá, não ganhamos dinheiro com essas grandes exposições. Tem que amar cultura para valer a pena", diz Spindel. Trazer grandes nomes da arte internacional pode levar até cinco anos.


Público em fila para visitar a exposição de M. C. Escher no CCBB do Rio; mostra teve 573.691 visitantes, recorde em 2011.
 
Se depender da programação de 2012, o amor brasileiro pela cultura está em alta. A retrospectiva de Giacometti está em São Paulo e segue em julho para o MAM – RJ. Sucesso em Londres, a exposição de Da Vinci (1452-1519) deve chegar em menor versão em junho ao Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), no Rio, e depois seguir para o Masp, em SP.
 
Outra mostra que deve causar frisson é a primeira exibição no país de obras de Caravaggio (1517-1610), a partir de maio na Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte, e, em julho, no Masp. Ícones das vanguardas do começo do século XX, os pintores Amedeo Modigliani (1884-1920) e Giorgio de Chirico (1888-1978), têm retrospectivas que estão em itinerância pelo Brasil. Do acervo do Museu D”Orsay, de Paris, chega em julho ao CCBB de São Paulo uma grande exposição sobre impressionismo, com obras de Monet, Renoir, Van Gogh, Degas e Manet. A pop art de Jasper Johns será exposta também na capital paulista com previsão de abertura no Instituto Tomie Ohtake no segundo semestre. Isso sem contar a presença da arte contemporânea, exposta entre outras iniciativas na mostra em São Paulo organizada pelo mais celebrado curador da atualidade, o suíço Hans Ulrich Obrist.
 
"Aliado ao fortalecimento institucional, o aumento de grandes exposições internacionais têm a ver, é claro, com o bom momento econômico do Brasil", diz Luiz Camillo Osorio, diretor do (MAM-RJ). Ao mesmo tempo, Osorio vê a montagem de mostras estrangeiras como uma maneira das instituições ganharem dinheiro em tempos de crise e ainda aliviarem suas reservas técnicas, sempre lotadas, colocando seus acervos para circular. "Até agora, a tendência era acolher exposições prontas. O próximo estágio é intensificar a participação brasileira no processo de concepção", diz Osório. Tudo é favorável. Na última edição da feira Arco, em Madri, instituições europeias e latino-americanas se reuniram para estreitar suas colaborações. E em 2013, o Brasil recebe a Conferência Mundial do Conselho Internacional de Museus, colocando o Brasil mais ainda em evidência no mapa mundial da arte.

(Mariana Shirai | Valor)
 

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