O jogo do Carlyle

Com a compra da PBKids, o megafundo de investimento americano, dono da Ri Happy, cria um gigante de mais de R$ 1 bilhão no varejo brasileiro de brinquedos.

Para muita gente, a vida não está para brincadeira. Principalmente para quem vive nos Estados Unidos e na Europa, que atravessam uma grave crise financeira desde 2008. Mas para a subsidiária do fundo americano de private equity Carlyle Group, que tem mais de US$ 159 bilhões em ativos sob sua administração, a diversão, na verdade, está apenas começando. Na segunda-feira 25, o fundo, comandado no Brasil por Fernando Borges, informou que comprou a PBKids, segunda maior rede de lojas de brinquedos do País, em um negócio avaliado em R$ 150 milhões, de acordo com fontes do mercado ouvidas por DINHEIRO. Três meses antes, o Carlyle havia adquirido a Ri Happy, por R$ 600 milhões, a maior varejista dessa área.

A união das duas empresas cria uma companhia de R$ 1,1 bilhão e 175 lojas, com presença em 18 Estados brasileiros. “Vamos somar esforços, valendo-nos da expertise das duas redes, visando a oferecer uma experiência em compra de brinquedos e artigos infantis inigualável”, disse Héctor Núñez, CEO da nova Ri Happy, em um comunicado ao mercado. Assim que fechou a compra da PBKids, Núñez isolou-se em uma sala para uma série de reuniões cujo objetivo era definir os planos para a nova companhia. Procurado, ele não quis dar entrevistas. DINHEIRO apurou com fontes do mercado que o executivo tem em sua mesa um plano de investimento que pode variar entre R$ 50 milhões e R$ 100 milhões, nos próximos 18 meses. Em três anos, pode chegar a R$ 200 milhões. O valor exato a ser gasto deve ser definido nas próximas semanas. 

O dinheiro vai ser aplicado na abertura de novas lojas, na ampliação do site de comércio eletrônico e em novos franqueados. Este último modelo de negócio será o da recém-adquirida PBKids. Das suas 61 lojas, 18 delas pertencem a franqueados. A Ri Happy não opera com franquias. O Carlyle deve manter as duas marcas simultaneamente no mercado. Pelo menos, por enquanto. No médio prazo, a intenção de Núñez é realizar uma pesquisa para entender qual delas é a mais forte entre os consumidores. A negociação da venda da PBKids para a Ri Happy foi acelerada para que os documentos fossem assinados na véspera da entrada em vigor do novo SuperCade, no fim de maio. Tanto o Carlyle quanto a família Pilnik, que controla a PBKids, queriam evitar o processo de análise prévia previsto pela nova legislação antitruste brasileira.

O negócio, segundo apurou DINHEIRO, ainda não foi completamente fechado (ou seja, o pagamento não foi feito aos vendedores). Isso só deve ocorrer depois da verificação de algumas condições na empresa pelo fundo americano. Com um perfil extremamente reservado, a família Pilnik procurou restringir ao máximo a divulgação das informações sobre a venda, que foi antecipada por DINHEIRO em sua edição 766, de 13 de junho, pela coluna Moeda Forte. Trajetórias semelhantes A PBKids não foi a primeira experiência empresarial da família Pilnik. O clã tinha investimentos no ramo imobiliário, entre eles a construtora PBK. Foi num dos imóveis da construtora, cuja sigla foi aproveitada para nomear a PBKids, na avenida Rebouças, na zona oeste de São Paulo, que surgiu a primeira loja da rede, em 1994. 

Oscar Pilnik, o patriarca, de 74 anos, era, até a venda, o presidente da rede, com uma participação de 34% no seu capital. Seu filho mais velho, Mílton, tocava a parte administrativa e financeira da varejista. O mais jovem, Celso, era o diretor-comercial. Cada irmão detinha 33% da empresa. A PBKids não publica balanços, mas divulgou ter faturado R$ 290 milhões em 2011 e contar com 1,2 mil funcionários, distribuídos por 18 Estados brasileiros. Ao contrário da Ri Happy, de apelo mais popular, a PBKids tem uma clientela com renda mais elevada. As lojas estão localizadas, em sua grande maioria, em shopping centers. Oscar, quando a fundou, buscou inspiração nas redes americanas de brinquedos, em especial em lojas icônicas como a FAO Schwarz, na Quinta Avenida, em Nova York.

Em muitos aspectos, no entanto, a trajetória da PBKids se assemelha à da Ri Happy, fundada em 1988 pelo pediatra Ricardo Sayon – que está hoje no conselho da companhia. Ele não sabia o que fazer com um imóvel vazio na região dos Jardins, em São Paulo, quando teve um estalo. Como entendia de crianças, resolveu abrir uma loja de brinquedos. No começo, Sayon copiou a fórmula da gigante americana Toy R Us, baseada no autosserviço. Não deu certo. Em 1991, com apenas quatro lojas, Sayon quase foi à bancarrota. A virada aconteceu com a mudança do modelo de negócio. Em vez de vender brinquedos passou a prestar serviços. As lojas foram transformadas em ambientes lúdicos e interativos e as paredes pintadas de vermelho e amarelo – as primeiras cores que as crianças reconhecem. 

Os funcionários foram também treinados a entender o universo infantil e a nunca mentir. Se o produto que o cliente quer levar para casa não for o indicado, sua função é alertá-lo. “As lojas especializadas têm várias vantagens sobre os hipermercados e magazines”, afirma Claudio Felisoni, coordenador do Programa de Administração do Varejo (Provar). “As crianças preferem esse ambiente.” A missão de integrar essas duas culturas é de Núñez. Aos 49 anos, ele nasceu em Cuba em 1962, mas mudou-se para os Estados Unidos. Como a maioria dos seus compatriotas que fugiram da Revolução Cubana, ele cresceu no Estado da Flórida. Formou-se em administração de empresas pela Wharton, a escola de negócios da Universidade da Pensilvânia. Chegou ao Brasil em 1993, em um cargo na locadora de automóveis Hertz.

Depois, passou pela fabricante de sucos Del Valle e pela Coca-Cola brasileira. Na empresa de refrigerantes americana, Núñez dirigiu uma engarrafadora no Maranhão e foi diretor de novos negócios. Ganhou destaque no meio empresarial quando ocupou a presidência do Walmart no Brasil, maior rede de supermercados do mundo e a terceira do País, no período de 2008 a 2010. Mercado pulverizado Após deixar o Walmart, Núñez hibernou por algum tempo, até ser convocado pelo Carlyle pouco antes de o fundo americano comprar a Ri Happy. O Carlyle – que controla a operadora de turismo CVC, a gestora de planos de saúde Qualicorp, a empresa de desenvolvimento urbano Scopel e a varejista de roupas íntimas Scalina, dona das marcas Tri-Fil e Scala, no Brasil – entra com tudo num mercado estimado em R$ 5 bilhões anuais com a compra da Ri Happy e da PBKids.
 
Em apenas duas tacadas, o fundo americano, que já investiu quase R$ 3 bilhões em aquisições no País, passou a deter aproximadamente 20% de participação do mercado varejista de brinquedos, que é altamente pulverizado, e conta com mais de sete mil pontos de vendas, de acordo com dados da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq). Entre os concorrentes, a Lojas Americanas com sua divisão de brinquedos é a única do setor capaz de rivalizar em porte com a nova Ri Happy, segundo fontes do setor. “É claro que o negócio altera o rumo do ambiente comercial”, afirma Synésio Batista da Costa, presidente da Abrinq. “Mas não é o que vai fazer o futuro ficar melhor ou pior para a indústria nacional.”

As lojas especializadas, como é o caso da Ri Happy e da PBKids, representaram 40% das vendas de brinquedos no Brasil, em 2011, segundo a Abrinq. Os outros 60% são distribuídos por atacadistas, grandes magazines, supermercados e internet. Por esse motivo, os fabricantes de brinquedos consultados por DINHEIRO não acreditam que a formação de uma grande rede de
brinquedos concentre o mercado. “O investimento vem com o objetivo de desenvolver o mercado e não trazer pressão sobre os seus fornecedores”, diz Carlos Tilkian, presidente da fabricante brasileira Estrela. “Pressão demasiada rompe a corda, e é fundamental para essas redes não ter ruptura de abastecimento.” Um dos desafios para quem vende brinquedos é o gerenciamento do fluxo de caixa.

“O varejo de brinquedos tem uma administração complicada devido à extrema sazonalidade”, afirma o consultor Eugênio Foganholo, da Mixxer. Pouco mais de 50% das vendas são concentradas em apenas três meses do ano: setembro, outubro e dezembro. A indústria costuma ajudar os varejistas na época de vacas magras. “Os prazos de pagamento são normalmente estendidos no primeiro semestre”, diz um executivo de um dos maiores fabricantes. Esse setor enfrenta também a tendência crescente de as crianças abandonarem os brinquedos em favor de celulares e eletrônicos no início da pré-adolescência. É nesse ambiente que o Carlyle terá de fazer prosperar seu novo investimento. Caberá a Núñez mostrar que, para o megafundo americano, brinquedo é negócio de gente grande.

(Ralphe Manzoni Jr. e Tatiana Bautzer | Isto é Dinheiro)

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