Onde queres Leblon, sou Wall Street

Bairro da zona sul do Rio tem 30 butiques financeiras que administram mais de R$ 68 bilhões

O crescimento acelerado da economia do Rio e o aumento da segurança após a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) criaram um novo ciclo de atração de empresas do setor financeiro para a cidade. São companhias como as gestoras Apogeo Investimentos, Hamilton Lane e BehaviorCapital, a distribuidora de fundos Órama e a consultoria Cypress. E o Leblon é o lugar escolhido por elas. Levantamento do GLOBO mostra que 30 butiques financeiras instaladas no bairro — a maioria voltada a clientes endinheirados — têm sob gestão mais de R$ 68 bilhões em recursos, o equivalente ao movimentado em toda a economia das capitais Belo Horizonte e Vitória juntas. Em poucos meses, o bolo de recursos deve superar o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos) do Uruguai, que ficou em R$ 72 bilhões no ano passado. Há três anos, eram R$ 25 bilhões no bairro.

Essas butiques são comandadas principalmente por cariocas "repatriados" do mercado paulista. São profissionais que migraram para bancos de varejo — Itaú Unibanco e Bradesco — ou bancos de investimentos — como BTG Pactual — em São Paulo com o baque do mercado financeiro do Rio, na década de 90. Eles voltam para a cidade atraídos, além da saudade e proximidade com a família, por uma oferta crescente de recursos de investidores. E deixam o Leblon, cada vez mais, com ares de Wall Street, a rua do mercado financeiro de Nova York.
 
Entre as novas gestoras, a Apogeo Investimentos abriu as portas no Offices do Shopping Leblon, na Avenida Borges de Medeiros.

— Fui feliz em São Paulo, mas há um evidente ganho de qualidade de vida. Como é um bairro pequeno, é comum a gente esbarrar com colegas de mercado na rua. Muitos vão a pé para o trabalho. Parte foi colega de profissão em São Paulo e retornou para a cidade. Existe agora uma grande rede de contatos no bairro — explica Ronaldo, que atuou no BTG Pactual.
 
Comércio do bairro muda de cara
 
São Paulo continua, claro, o centro do mercado financeiro do país. É onde está, por exemplo, a Bolsa de Valores brasileira, um das maiores do mundo. E é também de São Paulo que vem uma parte importante do dinheiro gerido no Leblon. Há também bilhões de recursos de estrangeiros, embora no bairro se brinque que "não existe muita diferença entre o estrangeiro e o paulista". Em boa parte das butiques, os investidores só abrem conta com uma aplicação inicial de R$ 200 mil a R$ 300 mil.
 
Um dos precursores do bairro foi Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central (BC) e no comando da Gávea Investimentos. Sua empresa, uma das mais concorridas por investidores estrangeiros, tem R$ 11,8 bilhões sob gestão. Há um ano a gestora se mudou da Rua Dias Ferreira para a Avenida Ataulfo de Paiva, para comportar o crescimento do escritório:
 
— Fui criado no Jardim Botânico, mas hoje vivo no Leblon. Adoro ambos. A área que era chamada de Gávea antigamente incluía mais do o agradável bairro que hoje conhecemos pelo nome, São Conrado, por exemplo — diz Arminio, que descarta deixar o bairro. — Estamos bem em nosso escritório.
 
Quem ocupou o antigo espaço da Gávea na Dias Ferreira foi o escritório Chediak Advogados, que busca no Leblon proximidade com os clientes do ramo. No novo ciclo de atração de empresas ao bairro, há uma infinidade de novos prestadores de serviços.
 
— Ficamos preocupados em abrir escritório no Leblon. Temos clientes aqui, mas há outros na Barra e no Centro. Só que eles gostam de vir para cá — afirma Julian Chediak, um dos sócios do escritório. — Não foi fácil achar espaço. Há poucos disponíveis.
 
Com pouco espaço e muita procura, o metro quadrado "barato" de um escritório na Avenida Ataulfo de Paiva custa cerca de R$ 15 mil. É um dos mais caros do país, segundo Vicente Coelho, diretor da Pronto! imóveis Rio.
 
O empresário Pedro Delamare, sócio do Gula Gula, que abriu as portas no Leblon como Gulinha da Rita Ludof há quase 30 anos, diz que o movimento do mercado financeiro tem como bairro perder, aos poucos, seu comércio mais característico, como floristas, tinturarias, armarinhos.
 
— Isso é uma realidade, não há muito o que possa ser feito. O espaço é caríssimo e está cada vez mais caro. Os restaurantes precisam se equilibrar entre o aumento do número de clientes e o crescente custo do espaço — explica.
 
Na rotina dos gestores do Leblon, um perda recente foi o fechamento temporário do restaurante Garcia & Rodrigues, onde muito negócios foram fechados por gestoras e clientes, principalmente no café da manhã.
 
Guilherme Hon, sócio da Órama Investimentos, de fundos criada por ex-sócios da Ágora Corretora, explica que a dificuldade de encontrar áreas no Leblon pode levar a empresa a mudar de endereço no ano que vem, talvez para a Barra da Tijuca. Segundo ele, um dos fatores de escolha do bairro foi a proximidade com a PUC-Rio, importante formadora de economistas.
 
— É uma fonte importante de trainees e estagiários para as empresas — explica.
 
Não foi só, portanto, o metro quadrado do bairro que ficou mais caro. Os frequentadores de cafés, bares e restaurantes também são outros.
 
— Dá para notar quem são pelo "uniforme": camisa social em tons de azul para dentro da $ça social, que é escura ou bege — diz o chefe de cozinha Erik Nako, da Prima Bruschetteria.
 
Os jovens gestores recém-saídos da PUC e de outras escolas da cidade, como Ibmec e FGV, também são motivo de brincadeira no bairro da boemia e da informalidade. Lamare, do Gula Gula, lembra do encontro em uma das gestoras do bairro, que não revela o nome.
 
— A impressão é que estava falando com um colega do meu filho — brinca Lamare. — E tinha uma voz que saía do centro da mesa, que eu acho que era alguém na sala ao lado. São meninos formados em economia, com a cabeça financeira e muita possibilidade de enriquecer.

(O Globo)

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