Projeto da Freddo é faturar mais no Brasil do que na Argentina

Quando ainda era um garoto algo espevitado em Belgrano, um bairro tipicamente de classe média na zona norte de Buenos Aires, Sergio Gratton deliciava-se ao entrar na sorveteria de dois primos italianos que começavam a espalhar seus "helados" artesanais na Buenos Aires europeizada dos anos 70. "Minha mãe me levava na loja da Freddo da avenida Juramento e eu sempre tomava uma combinação de chocolate e limão", lembra Gratton, hoje no comando da maior rede de sorveterias da Argentina.

"Ultimamente, ando bastante fanático por banana split", conta o executivo, esclarecendo que, na Argentina, esse sabor (banana com pedaços de chocolate e doce de leite cremoso) tem pouco a ver com o sentido da palavra no Brasil. Mas, com faturamento perto de US$ 50 milhões em 2010 e aumento das vendas acima de 20% ao ano, o Freddo terá que se acostumar com o sotaque brasileiro – o próprio Gratton tem aulas particulares de português todas as semanas.

Depois de ter chegado ao país em dezembro, com a abertura de uma loja no Shopping Iguatemi de Brasília, a Freddo inaugurou outros dois pontos de vendas em São Paulo e espera chegar ao fim de 2011 com sete unidades. Estão previstas mais oito em 2012, totalizando 15 lojas, principalmente no eixo São Paulo-Rio-Porto Alegre. O interior paulista também está sendo estudado. "Queremos ter um equilíbrio entre lojas de shopping e de rua", diz o diretor-geral da rede, fundada em 1969.

E isso é só o começo. "Em um prazo de cinco a dez anos, a nossa ideia é que o negócio no Brasil iguale e depois supere o faturamento que temos na Argentina", avisa Gratton. O processo de internacionalização da Freddo teve início em 1990, com a abertura em Punta del Este, acompanhando os argentinos que veraneavam no Uruguai. Hoje, ela está presente ainda no Paraguai, na Bolívia e no Reino Unido.

Em 2004, a rede de sorveterias foi comprada pelo fundo de investimentos Pegasus, que atua em vários segmentos do varejo na Argentina. Desde então, vinha cultivando planos de cruzar a fronteira com o Brasil. A ideia ganhou força com a invasão de turistas brasileiros no país – o fluxo encostou em 1 milhão de visitantes no ano passado – o que se tornou uma espécie de propaganda gratuita para a Freddo, frequentemente vista perto de pontos turísticos e quase sempre escolhida pelas pessoas para, ao menos, uma bola de degustação.

Finalmente, não deu para driblar a tentação quando o Iguatemi apresentou uma proposta de levar a gelateria para alguns de seus shoppings, como o de Brasília e o novo centro de compras em Alphaville. Por enquanto, todos os sorvetes – 30 dos 55 sabores do catálogo da Freddo – são exportados da Argentina para o Brasil. "O mais importante agora é estabelecer a operação, mas pensamos em produzir localmente a partir de 2013."

Quando isso ocorrer, é provável que sabores brasileiros como açaí e brigadeiro, diz Gratton, confessando especial apetite pelo achocolatado, sejam acrescentados à lista que já inclui oito variedades de doce de leite. Podem não ser os únicos. "Queremos ouvir o público brasileiro, tanto nas nossas lojas quanto nas redes sociais", diz.

Para o executivo, a imagem de qualidade dos alimentos argentinos ajuda a Freddo no Brasil, mas o principal é o processo "artesanal" de elaboração dos sorvetes. De acordo com ele, a proporção de gordura vegetal é de zero nos sabores frutais e de 3% a 5% nos lácteos, enquanto chega a 20% nos sorvetes industrializados. "Não usamos extratos nem pastas-base. Quando falamos de um sorvete de limão, falamos realmente de juntar as frutas e espremê-las", explica.

Diante do otimismo com as operações no Brasil, fica a pergunta: por que a Freddo não entrou antes no país, tendo preferido instalar-se em outros vizinhos e até em Londres? "Ninguém pode se inserir no mercado brasileiro abrindo apenas uma loja. Quando você entra, tem que entrar para valer", diz Gratton, durante almoço com a reportagem, em um restaurante sofisticado de Puerto Madero, no qual ele ataca de carne mal passada e salada verde, sem nenhum sorvete de sobremesa.

(Daniel Rittner | Valor)

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