Regra para saída do Novo Mercado será reavaliada

A reforma de 2010 do regulamento do Novo Mercado, a maior já feita, nem terminou de ser incorporada aos estatutos das companhias e a BM&FBovespa já começa a avaliar as próximas mudanças necessárias.
 
Depois de 12 anos de existência, as regras de saída do segmento de governança serão reavaliadas pela bolsa. Não está descartada a imposição de uma adesão mínima à oferta pública que a companhia é obrigada a fazer aos acionistas caso queira abrir mão do selo de governança.
 
A decisão da BM&FBovespa de reavaliar as regras de saída é uma reação à percepção negativa do mercado depois das ofertas de fechamento de capital feitas pelo Itaú para a empresa de cartões Redecard e pela Camargo Corrêa para seu braço imobiliário, a CCDI.
 
O que incomodou o mercado foi o fato de os controladores terem usado a saída do segmento especial como instrumento de pressão sobre os acionistas.
 
Como proteção aos minoritários do risco de a companhia sair do Novo Mercado, a bolsa exige uma oferta pública de aquisição das ações, a valor econômico, determinado por um laudo.
 
A seleção do autor do estudo é feita numa assembleia em que o controlador não vota. A escolha é feita entre três nomes indicados pela companhia.

Desde sua criação, em dezembro de 2000, o Novo Mercado só registrou entradas. As saídas foram todas consequências de movimentações societárias, como fusões, incorporações e aquisições. Assim, a regra está sob teste só agora, mais de uma década depois. Atualmente, o segmento conta com 127 companhias.
 
No caso de Redecard e CCDI, os controladores diziam que as empresas seriam tiradas do segmento especial caso o objetivo principal da oferta, o fechamento de capital, não fosse alcançado.
 
O posicionamento foi considerados hostil e acabou por riscar a imagem do Novo Mercado, em especial perante estrangeiros. Não por acaso, o Itaú voltou atrás.
 
O maior acionista da companhia de cartões, a Lazard Asset Management, antes de questionar o preço oferecido pelo Itaú enviou uma carta à administração do banco, queixando-se da conduta e do uso do Novo Mercado como instrumento de pressão.
 
Na mesma época, Sudhir Roc-Sennett, gestor de mercados emergentes da Vontobel, outro acionista da Redecard, afirmou que a situação diminuía a confiança no selo de governança e que ficaria mais atento para aplicar em companhias brasileiras com controle definido depois desse episódio. Para ele, o investidor estava com o ônus de pagar mais por governança, mas sem contrapartida na proteção de seus direitos.
 
Redecard e CCDI chegaram à bolsa depois de 2004, em meio à revitalização do mercado de capitais no Brasil. Foram direto para o segmento que exige mais das empresas, em comparação com o mercado tradicional – onde está a maior empresa, a Petrobras – e com os Níveis 1 e 2 de governança.
 
A liquidez global a partir de 2004, as melhoras na economia e a conquista do título de investimento não especulativo colocaram o Brasil na rota dos investidores estrangeiros. O Novo Mercado foi o meio que esses investidores usaram para colocar mais recursos no país.
 
Gestores internacionais de recursos veem no segmento um porto seguro de regras que já compreendem, como o direito de voto para todas as ações. Mas não esperavam que a saída pudesse ser tão simples quanto esses casos evidenciaram.
 
Entre 2004 e 2011, as ofertas de ações no Brasil movimentaram mais de R$ 370 bilhões, num total de 232 operações, entre aberturas de capital e distribuições por empresas já listadas. Os estrangeiros responderam por quase metade da demanda, ou R$ 182 bilhões.
 
A percepção do investidor estrangeiro a respeito do Novo Mercado é importante para a manutenção do apetite desse grupo pelas empresas brasileiras. "Com o sucesso do segmento, os investidores passaram a demandar que iniciativas semelhantes fossem criadas em outros mercados", disse Sandra Guerra, presidente do conselho do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
 
As regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para ofertas públicas impõem adesão mínima de 67% das ações em circulação no mercado para a empresa ter sucesso num fechamento de capital.
 
Se a cota não for alcançada, a companhia pode optar por comprar 33% dos papéis em circulação ou retirar a operação.
 
Os percentuais são uma forma de permitir que a empresa compre parte dos papéis e, ao mesmo tempo, não retire toda a liquidez do mercado, se não conseguir sair definitivamente da bolsa.
 
Mas foi só agora, diante da potencial saída de Redecard e CCDI, que os investidores se deram conta de que para sair do Novo Mercado não há necessidade de aceitação mínima na oferta obrigatória, ou seja, a regra geral não vale para o segmento. Basta que haja a oferta e que o tema seja aprovado em assembleia de acionistas, na qual o controlador vota.
 
Para que as regras da CVM e do Novo Mercado se tornassem compatíveis foi necessária a previsão – na regulação da autarquia – de uma dispensa dos parâmetros de 33% e 67%.
 
"Talvez as regras atuais não se mostrem suficientes", disse Cristiana Pereira, diretora de relações com empresas da BM&FBovespa.
 
Mauro Rodrigues da Cunha, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), disse que sem um mecanismo de adesão mínima para a oferta, o regulamento deixa o laudo como única proteção ao investidor, um instrumento considerado "altamente polêmico".
 
Para o diretor de regulamentação da BM&FBovespa, Carlos Alberto Rebello, é preciso avaliar as situações novas e aprender com elas, mas também é importante ter cuidado antes de qualquer mudança. A preocupação dele com o mecanismo de adesão mínima é criar um cenário em que os investidores decidem e o controlador paga a conta. "Não se pode abrir espaço para chantagem."
 
Rebello lembrou que o espírito do Novo Mercado é que quanto mais capital comprometido com o negócio o investidor possui mais poder político ele tem.
 
Antes que o Itaú voltasse atrás na decisão de retirar a Redecard do Novo Mercado, a Amec divulgou um pronunciamento público defendendo que a saída do Novo Mercado só poderia ocorrer caso a oferta tenha os 67% de adesão.
 
"Qualquer elemento que balance a confiança do investidor será imediatamente percebido no preço. É uma equação bastante conhecida", destacou Sandra. Ela contou que há alguns meses veem sendo procurada por investidores estrangeiros preocupados com o ambiente de segurança para minoritários. Por isso, acredita que, mesmo parecendo cedo demais iniciar debates para uma nova reforma do Novo Mercado, é preciso considerar que as mudanças no mundo e no mercado estão ocorrendo cada vez mais rapidamente.

(Graziella Valenti e Natalia Viri | Valor)

+ posts

Share this post