Uso racional da água abre espaço para novos negócios

Ainda que em proporções muito menores do que na Europa e nos Estados Unidos, a preocupação com o desperdício de água começa a crescer no Brasil a ponto de já existir uma indústria do uso racional da água. Empresas de diferentes segmentos estão, de alguma maneira, criando produtos e serviços que estimulem o uso consciente do bem mais valioso do planeta.

É consenso que, no Brasil, a preocupação com o meio ambiente ainda é secundária. O que prevalece é a questão econômica. É esse caminho, portanto, que as novatas do segmento trilham. "O país tem vocação para o desperdício, o que importa, por enquanto, é o benefício econômico", afirma Paulo Costa, que criou em 1997 a empresa de consultoria H2C. "A preocupação ambiental está diretamente ligada à busca de certificações", completa. O consumo racional de água é um dos quesitos mais importantes para a conquista de um selo verde, por exemplo.

O negócio é de tal forma calculado em bases financeiras que nos prédios comerciais, por exemplo, a taxa de retorno é comparada ao CDI. A Jones Lang LaSalle já implantou projetos de uso racional em cerca de 70% dos prédios que administra. Segundo José Roberto Freitas, gerente regional da Jones Lang, o retorno do investimento acontece, em geral, entre seis e nove meses. "O que se verifica é que a economia é sempre maior do que se o mesmo investimento tivesse sido aplicado em renda fixa no mesmo período", afirma.

Normalmente, os projetos consistem em trocas de equipamentos (torneira e louças sanitárias), programas de conscientização dos usuários e, quando é possível, a colocação de hidrômetros individuais em cada conjunto comercial. "Com essas providências, naturalmente, a curva de consumo dos prédios diminui 25%", diz Freitas.

A construção de sistemas para captação de água de chuvas – geralmente usada nos vasos sanitários e irrigação – fica muito cara em prédios antigos, mas está presente nos projetos de edifícios comerciais novos de alto padrão. Em um prédio comercial, o consumo de água representa cerca de 15% do condomínio. Os vasos sanitários representam mais de 50% do consumo de água. Outro vilão são os ares-condicionados – os antigos, que utilizam água. Os novos não consomem água, mas o uso de energia elétrica é maior.

A Deca, empresa de metais sanitários do grupo Duratex, está investindo na linha de produtos economizadores de água, como torneiras automáticas, mecanismos de descarga e os chamados restritores de vazão, soluções que diminuem entre 30% e 50% o consumo de água em relação aos produtos convencionais. "Esse segmento é nosso foco, temos várias pesquisas voltadas para o desenvolvimento dessa linha de produtos", diz Raul Penteado, presidente da Deca. O executivo não abre números, mas diz que as vendas dessa linha estão crescendo acima da média. "Por enquanto, o uso é concentrado em ambientes comerciais, mas com o aumento da conscientização, vai migrar para o residencial."

A mudança de sistemas de descarga e torneiras é a primeira alternativa sugerida pela H2C, empresa que implanta programas de redução de desperdício, aos prédios de escritórios, shoppings, fábricas e hospitais. A companhia está com 21 projetos em andamento, teve um crescimento de 17% no número de contratos este ano.

Outro negócio que surgiu recentemente está relacionado à medição individualizada de água em condomínios residenciais. Em dezembro de 2008, a Sabesp criou o programa PróAcqua, que treina e certifica empresas para operar os hidrômetros individuais, por meio dos quais cada unidade habitacional paga somente aquilo que consome.

A Itron, multinacional americana que fatura € 1,6 bilhão, criou uma empresa aqui no Brasil chamada Conta Justa. Homologada pela Sabesp e outras concessionárias, instala e faz a leitura de hidrômetros, aparelhos que fazem a medição individualizada de água em condomínios. Hoje, possui 20 mil hidrômetros e a expectativa é chegar a 40 mil até o fim do ano. De acordo com Henrique Gustavo da Costa, gerente para América Latina da Itron, a economia média é de 30%, quando se tem um aparelho desses, que mede o consumo de cada apartamento. De acordo com pesquisa da Lello Condomínios, o gasto com água é o segundo mais alto em edifícios residenciais, atrás apenas da folha de pagamento.

Sem o mesmo controle e cuidado que o apagão obrigou as pessoas a terem com o consumo de energia, a água ainda é muito desperdiçada no Brasil. Enquanto em países como Bélgica, Alemanha e Hungria o consumo per capita de água é de cerca de 110 litros por dia, no Brasil oscila entre 450 e 650 litros nas classes mais altas e de 220 a 240 litros na classe média. "A mudança de mentalidade só vai acontecer quando o Brasil adotar uma legislação específica", diz Paulo Costa. Na Alemanha, todos os edifícios precisam ter um sistema de captação de água de chuva. No Texas, só se consegue a escritura de um imóvel após auditoria de uma concessionária local.
 
(Daniela D”Ambrosio | Valor)

 

 

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