Bradesco terá fundo de R$ 2 bi para comprar

Cidade de Deus com ar de Wall Street

Fugindo à genética tradicional do banco de varejo, Bradesco lança um fundo de private equity de R$ 2 bilhões para comprar empresas

SÃO PAULO – Cidade de Deus, em Osasco, está ficando mais parecida com Wall Street. Na sede do Bradesco, o segundo maior banco privado da América Latina, a diretoria executiva se prepara, desde o fim do ano passado, para estrear numa atividade que foge à genética tradicional e conservadora de um banco de varejo. Depois de alguns ensaios não tão bem sucedidos, o Bradesco vai entrar definitivamente no segmento de private equity – comprando participações em empresas com grande potencial de crescimento para revendê-las daqui algum tempo por um preço maior.

Parece que agora o Bradesco quer dar uma tacada certeira e iniciar a nova atividade já em posição de destaque em relação aos outros bancos brasileiros. Reservou para isso R$ 2 bilhões de recursos próprios, que serão investidos em companhias de médio porte até o fim do ano que vem. No radar, estão principalmente empresas ligadas à cadeia de óleo e gás, agronegócio e varejo.

O fundo de private equity do Bradesco já chega ao mercado com um universo de 22 mil possibilidades de investimento – esse é o número de empresas de médio porte que hoje integram a carteira de clientes do banco. "Tínhamos dentro de casa um potencial enorme que não estava sendo aproveitado", diz o vice-presidente, Norberto Barbedo. "A ascensão social das classes E e D, em direção à C, está acontecendo também nas empresas."

Em outras palavras, o Bradesco está tentando se aproveitar do crescimento da chamada "economia real" no Brasil num período em que os ganhos com juros tendem a ser cada vez menores. Não é o único. De forma mais tímida – porém antecipada – Itaú-Unibanco, Santander e Banco do Brasil já deram os primeiros passos no desenvolvimento de seus próprios fundos.

Devagar. O Itaú criou o Kinea em 2009, para investir nos segmentos de saúde, educação e varejo. Quatro meses atrás fez o primeiro aporte, de R$ 200 milhões, no grupo Multi, controlador das escolas de inglês Wizard. Até agora, o ritmo está mais devagar do que o Itaú imaginava. "Queríamos ter feito mais investimentos, só que encontramos um mercado mais competitivo do que esperávamos", diz Cristiano Lauretti, responsável pela área de private equity.

O Banco do Brasil se associou ao Carlyle, um dos maiores fundos do mundo. E o Santander está captando recursos, em parceria com a Mare Investimentos, de Rodolfo Landim (ex-braço direito de Eike Batista), para comprar participações em companhias de óleo e gás. O próprio Bradesco já havia firmado parceria com o Banco Espírito Santo para lançar um fundo com recursos de terceiros, mas a captação ainda não foi concluída.

A entrada de bancos de varejo no segmento é uma tendência que começou a se desenhar no País há dois anos, e foi impulsionada pelo bom momento da economia. "Um sinal de que ficou menos interessante emprestar dinheiro", constata o advogado Luiz Leonardo Cantidiano, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

O movimento vai na contramão do que está acontecendo lá fora, onde a crise financeira internacional diminuiu o apetite dos bancos por investimentos de risco. O exemplo mais recente disso é uma orientação do banco central da África do Sul para que instituições de varejo daquele país deixem de comprar participações em empresas, numa tentativa de reduzir o potencial risco do sistema bancário e proteger os correntistas. Como consequência da medida, o sul africano Standard Bank acabou de encerrar suas operações de private equity no mundo (leia abaixo).

No Brasil, não há impedimento para que os bancos de varejo façam aportes em outras empresas. Embora não haja orientação contrária, o presidente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital, Sidney Chameh, faz uma ressalva. "Há o risco de haver conflito de interesses. O interesse do banco pode ficar acima do interesse do investidor em alguns casos."

Num segmento dominado por gestoras independentes, a iniciativa de bancos de varejo é vista com certa antipatia pelos concorrentes. "É preciso ter foco e dedicação exclusiva para atuar nessa área. A atividade principal de um banco nunca será o private equity e isso impacta negativamente a rentabilidade do fundo", diz um gestor.

Segundo plano. O Bradesco já cometeu esse erro e não quer repeti-lo outra vez. O banco manteve por dois anos um fundo de private equity subordinado ao BBI, o braço de investimento do grupo. As operações serviam mais para dar suporte aos negócios do BBI do que como oportunidade de investimento e acabavam mesmo em segundo plano. "Eram empresas de todos os tamanhos, que em muitos casos nem precisavam de um private equity", admite Barbedo. Desde 2009, o fundo fez dois investimentos no valor total de R$ 240 milhões – numa empresa de saneamento ambiental e em outra de geração de energia eólica.

Agora, o foco está bem definido. O banco quer empresas de porte médio para investir entre R$ 150 milhões e R$ 250 milhões, por um prazo de até sete anos. A intenção é comprar participações "relevantes", sem assumir o controle nem interferir de forma intensiva na gestão da companhia, como fazem fundos mais agressivos, no estilo GP e Advent. "Vamos exigir um assento no conselho para acompanhar os controladores."

Em pouco mais de três meses, o banco já mantém negociações avançadas com 12 empresas. A meta é fechar investimentos de R$ 1 bilhão até março do ano que vem com pelo menos metade dessas companhias. A primeira compra de participação será na Sete Brasil – empresa criada pela Petrobrás para cuidar das sondas do pré-sal.

No Bradesco há dez anos, Fernando Buzzo, ex-diretor do BBI, foi o escolhido para tocar a nova área. É dele a responsabilidade de identificar empresas que mereçam o investimento e liderar o estudo de viabilidade do negócio. Mas continua sendo da diretoria executiva a palavra final.

Ao contrário do Itaú, que fez questão de apresentar o Kinea como um negócio independente, o Bradesco preferiu manter a atividade bem ao alcance dos olhos. Enquanto tenta encontrar quatro profissionais no mercado para integrar a equipe (que até agora se restringe a ele próprio), Buzzo está de mudança do 8.º para o 12.º andar do prédio da Av. Paulista, onde está o BBI.

(Estadão) 
 

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