Fundo de R$ 4 bilhões pode ter escondido fraude no Cruzeiro do Sul

FDIC BCS Multicred, que tem como cotista o próprio banco, além de dois fundos da XP Investimentos, tem porte para ter camuflado as inconsistências contábeis do banco.

Os problemas contábeis encontrados nos balanços do banco Cruzeiro do Sul no início de junho podem estar no Fundo de Direito Creditório (FDIC) BCS Multicred. O fundo tinha patrimônio de R$ 4,052 bilhões em março deste ano, sendo que, deste total, 86% eram cotas detidas pelo próprio Cruzeiro do Sul. Caso o rombo esteja mesmo em um FDIC e tenha sido mesmo de R$ 1,3 bilhão, ou de um montante superior, este é o fundo mais provável de ter sido usado para supostas manobras fraudulentas do banco, segundo fontes consultadas pelo iG. Nem o Banco Central, nem o Cruzeiro do Sul, apesar de procurados, informam a origem do problema.

Porém, o Cruzeiro do Sul informou logo após a intervenção, em coletiva de imprensa, que as inconsistências contábeis encontradas em seus números estavam em uma carteira detida pelo próprio banco e que não afetaria investidores. As maiores suspeitas do mercado são de que o problema esteja em FDICs. Além do FDIC BCS Multicred, a instituição também é cotista de outros FDICs. No entanto, o outro fundo que comportaria um rombo de R$ 1,3 bilhão – ou superior a isto – seria o FIDC FACB, criado pelo FGC em 2010 para prevenir eventuais problemas de liquidez do banco e, portanto, muito mais improvável de ter sido usado para supostas fraudes.

Os FDIcs são fundos que investem em créditos a receber, ou seja, compram o direito de receber recursos devidos por um credor. Os FDICs ganham quando o banco ou financeira que repassa o crédito ao fundo recebe um pouco menos do que o fundo receberá do devedor na data esperada. Esse diferencial será o ganho do fundo. No caso do Cruzeiro do Sul, uma das hipóteses é que o próprio banco tenha repassado créditos ao fundo, não necessariamente de qualidade ruim, cobrando um valor superior ao que o fundo deveria receber do devedor. Como os cotistas são do próprio banco, teriam ficado de acordo.

Dos R$ 4,052 bilhões de patrimônio do fundo, R$ 3,478 bilhões são cotas subordinadas do Cruzeiro do Sul, que rendem ganhos maiores, mas são as primeiras a ter prejuízo no caso de problemas. Os restantes R$ 570 milhões são detidos em parte pelo fundo XP Investor FI Renda Fixa Crédito Privado Longo Prazo, gerido pela XP Investimentos e administrado pelo BNY Mellon, e pelo fundo ELC FI em Cotas de Fundos de Investimento Multimercado, gerido pela XP Investimentos e administrado pelo BTG Pacutal.

O primeiro fundo, XP Investor FI, tem o equivalente a 5,2% de seu patrimônio total em cotas do FDIC BCS Multicred. Procurada pelo iG, a XP Investimentos informou que já deu início ao procedimento de zeragem de sua participação do fundo, mesmo sem a comprovação de irregularidades em sua carteira. O fundo ELC FI, também gerido pela XP Investimentos, tem 4,9% de seu capital total no FDIC do Cruzeiro do Sul, mas a gestora não quis falar sobre este produto, afirmando que se trata de um fundo exclusivo. Ainda é possível que o fundo tenha outros cotistas, mas quando são pessoas físicas ou jurídicas que não sejam produtos de investimentos, o Cruzeiro do Sul não precisa divulgar os nomes.

O Cruzeiro do Sul, que está sob controle do FGC, não comenta a possibilidade de o rombo da instituição ter sido mesmo criado a partir do FDIC BCS Multicred. Por meio de sua assessoria de imprensa, o FGC informa que somente se pronunciará em relação a qualquer assunto ligado às investigações quando a auditoria estiver concluída.

Desde 4 de junho, quando foi anunciado publicamente o problema com o banco da família Índio da Costa, o FGC assumiu as rédeas da instituição em Regime de Administração Especial Temporária (Raet) e contratou a auditoria Pricewaterhouse Coopers para ajudar na avaliação dos números do banco.

A maioria dos FDICs do Cruzeiro do Sul, incluindo o FDIC BCS Multicred, é custodiada pelo Deutsche Bank. Segundo estabelece a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), quem faz a custódia é o responsável por verificar o lastro dos fundos, tarefa que o banco alemão costumava terceirizar para a KPMG. Em geral, a auditoria faz isso de três em três meses. No entanto, é possível que a auditoria não tenha identificado que a compra dos créditos estivesse sendo desvantajosa para o fundo e, ao mesmo tempo, vantajosa para o banco, segundo Valerio Magarra, especialista em FDICs da ASK Renda Certa. “Em casos assim, os auditores e custodiantes podem não conseguir identificar os problemas, uma vez que cumprem o regulamento dos fundos, que não exige esse tipo de avaliação,” diz Magarra.

(Olivia Alonso e Danielle Brant | iG)

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