Jatinho vira moda no Brasil e frota executiva cresce 76,2% em três anos

O mercado de aviação executiva do Brasil vive uma das melhores fases de todos os tempos. Só nos últimos três anos, o volume de aeronaves para uso privado vendidas no país cresceu 76,2%, conforme levantamento elaborado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). O desempenho é fruto de uma soma de fatores e, ironicamente, o mais forte deles está ligado aos efeitos da crise mundial. O motivo é que a maior parte dos jatos negociados por aqui vem dos Estados Unidos e da Europa, cujas economias estão na pindaíba, ao contrário do cenário de aquecimento nacional. Enquanto companhias e empresários dos chamados países desenvolvidos vendem o que podem para equacionar as dívidas, os brasileiros aproveitam para comprar aviões por preços até 40% abaixo da média histórica.

Cristina Monteiro, gerente da AviõesNet, empresa especializada em importação e exportação de aeronaves, revela que, só na segunda quinzena do mês passado, trouxe cinco aviões dos EUA. “Desde a crise, em 2008, os preços desabaram. Vi casos em que, mesmo depois de vender o jato, o executivo americano teve de desembolsar quantias significativas para quitar a dívida contraída junto ao banco”, revela. O consultor de negócios em aviação Ronaldo Cristino reforça as conclusões. “Não há dúvida de que a queda nos preços é consequência direta da crise. Os brasileiros estão aproveitando esta oportunidade. Há alguns anos, era impensável pechinchar qualquer quantia, mas hoje vemos ofertas absurdas”, afirma.

Cristino diz ter comprado jatos por até 40% abaixo do valor real da aeronave, graças aos efeitos da crise mundial. Os maiores descontos são obtidos na compra de aviões cujo proprietário não consegue mais honrar as prestações do financiamento contratado junto a um banco e precisa passar o bem adiante para se livrar da dívida. Atualmente, o preço médio de uma aeronave executiva no mercado internacional é de US$ 400 mil para bimotores e turbo hélices, mas no caso dos jatos a quantia sobe para US$ 1 milhão. A valorização do real torna o negócio ainda mais atrativo ao investimento dos brasileiros, isso sem contar na farta oferta de crédito.

Fernando Justino, dono da Justino Aviões, calcula que a compra de aeronaves dos EUA e Europa por sua empresa cresceu cerca de 50% no ano passado, quando comparado ao período anterior à crise. “Em 2009, houve uma relativa estagnação nas vendas, devido às incertezas em relação ao futuro, mas no ano passado vivemos um verdadeiro boom, impulsionado pelos negócios com o exterior”, relata. Cássio Polli, diretor da Aerie Aviação Executiva, observa que a redução drástica no preço das aeronaves desde a crise provocou um aumento do interesse por esse tipo de transporte. “Pode-se dizer que 95% dos compradores o fazem para os negócios. Quando os empresários perceberam que as parcelas do financiamento cabiam no bolso, formou-se uma nova demanda no país”, avalia.

Os especialistas, entretanto, têm pontos de vista distintos quanto às vantagens. Na avaliação de Cristina, os aviões dos EUA são um ótimo negócio, não só pelo preço, mas por serem produtos de tecnologia avançada. “Os americanos têm o hábito de cuidar bem das máquinas e apresentam toda a documentação de forma impecável. É possível conferir facilmente todo o histórico de uma aeronave desde a fabricação”, afirma. Já as da Europa são mais complicadas. Segundo ela, a AviõesNet desistiu da compra de um jato em Londres porque a turbina não estava em bom funcionamento. Cristino, por sua vez, tem ressalvas em relação às compras de produtos estrangeiros. “É preciso muito cuidado. Aqui, a gente conhece quem fez a manutenção, lá não. Vi casos em que o comprador brasileiro gastou mais do que o valor do produto para arrumar todos os itens pendentes”, alerta.

Necessidade
Justino defende que, devido ao tamanho continental do país, o avião é mais que um luxo. Na verdade, é uma necessidade do empresariado para expandir os negócios. O Brasil conta, atualmente, com cerca de 2 mil aeronaves executivas, o que o classifica como o maior mercado para o setor na América Latina. Quanto à aviação geral, o país registra mais de 12 mil aviões, a segunda maior frota do mundo, atrás apenas dos EUA, segundo levantamento realizado pela Associação Brasileira de Aviação Geral (Abag). Francisco Lyra, presidente da entidade, pondera que a grande procura dos brasileiros por esse meio de transporte é um sintoma claro de uma nova onda de desenvolvimento, patrocinada pela descentralização dos investimentos.

“Os empreendedores que voam na busca e acompanhamento de negócios pelo interior do país trazem consigo novas empresas e geração de empregos e riquezas”, comenta o presidente da Abag. Lyra alerta ainda que, há anos, o Brasil sofre com uma demanda reprimida por aeronaves executivas. Basta observar que a aviação comercial atende a apenas 124 municípios dos mais de 5,6 mil espalhados pelo território nacional.

Claudionor Soares, da CSA aviões, explica que os fazendeiros também são um nicho forte no mercado de aviação particular nacional. “Quem mora em São Paulo, mas tem uma fazenda no interior do Mato Grosso, por exemplo, não tem outra opção além de comprar uma aeronave.” Nesses casos, em vez dos jatos, os modelos mais procurados são bimotores e turbo hélices. Na onda dos preços mais baixos no exterior, a procura também é intensa por parte das empresas de táxi aéreo, que compram tanto jatos quanto helicópteros.

A dificuldade em suprir toda essa demanda antes da crise mundial consistia nos preços elevados, já que a atividade econômica internacional era intensa e havia poucas opções. A encomenda de um jato novo, por exemplo, além de muito mais cara, leva entre quatro e cinco anos para ser entregue, daí a preferência pelos usados. “Não é de se estranhar que os países europeus também estejam vendendo a preços abaixo da média. Nesses locais, o avião pode facilmente ser substituído por outros meios de transporte, como os trens. No Brasil, a situação é oposta. Aqui, o empresário depende diretamente dos aviões para expandir os negócios”, resume Lyra.

São Paulo
A vocação brasileira para a aviação executiva não vem de hoje. A cidade de São Paulo possui a maior frota de helicópteros do mundo: 452, seguida por Nova York, com 445. Para se ter uma ideia, a capital paulista conta com cerca de 272 helipontos. O bairro Vila Olímpia, por exemplo, é conhecido por ter mais helipontos do que paradas de ônibus.

Voando alto
Novos registros para uso privado no país
Ano – Total
2008 – 370
2009 – 434
2010 – 652

Crescimento no período – 74,2%

(Gustavo Braga l Correio Braziliense)

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