Captações locais seguem ativas e se tornam opção para empresas

Perspectiva de queda de juros deve aumentar a demanda por papéis privados, diz Ignacio Lorenzo, do Santander

Com o mercado restrito para captações de recursos no exterior em consequência da crise, as empresas brasileiras começaram a recorrer ao mercado de capitais local, que até aqui tem se mostrado resistente ao aumento da aversão a risco. Em um primeiro momento, as emissões têm servido como opção temporária à espera de uma melhora do cenário internacional. Mas caso a crise persista, as captações domésticas devem absorver também parte da demanda por recursos de prazo mais longo.

Pelo menos duas empresas com planos de emitir dívida no exterior recuaram e agora estudam captar no país, conforme apurou o Valor. A transmissora de energia Taesa, controlada pela Cemig, pretende lançar R$ 1,4 bilhão em notas promissórias para financiar a compra dos ativos da espanhola Abengoa, enquanto a concessionária de rodovias Autoban, da CCR, deve captar R$ 1 bilhão nas próximas semanas, também em notas.

Enquanto o mercado externo patina, as operações domésticas têm mostrado vigor. Um teste importante ocorreu na semana passada, com a captação da empresa de shopping centers Multiplan, que obteve R$ 300 milhões em uma oferta de debêntures com prazo de cinco anos. Com forte procura, a companhia conseguiu reduzir a taxa proposta na operação de CDI mais 1,15% para CDI mais 1,01%, apesar das incertezas sobre a crise europeia.

A fila de emissores locais conta ainda com a locadora de veículos Unidas, a Companhia Energética do Ceará (Coelce) e a Cachoeira Paulista, de transmissão de energia. A expectativa do mercado é de que novas operações venham a público nas próximas semanas. As captações de outras modalidades de renda fixa, como Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), também estão em alta, principalmente por parte de bancos de médio porte.

O agravamento da crise externa tornou as emissões locais mais competitivas para as empresas, de acordo com o diretor da área de renda fixa do Bradesco BBI, Leandro Miranda. "Com o aumento da volatilidade, a diferença entre as taxas obtidas nos mercados doméstico e externo caiu bastante", afirma. Para o executivo, o mercado brasileiro tem condições de suprir a necessidade de recursos da maioria das empresas que pretendia captar recursos lá fora.

Entre janeiro e agosto, as emissões de debêntures atingiram R$ 34,6 bilhões, de acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). A maior parte desse valor, contudo, não foi distribuída entre os investidores. Com folga de capital, os próprios bancos se tornam os principais compradores dos papéis.

Para o superintendente executivo de mercado de capitais do HSBC, Antonio Oliveira, a grande presença dos bancos nas emissões não é, necessariamente, um problema. "Ao contrário do que se vê lá fora, as instituições concedem garantia firme de demanda nas operações e podem vender ao menos parte dos papéis no mercado secundário a qualquer tempo", diz. Do lado das empresas, a emissão de debêntures representa um ganho fiscal, já que os títulos não estão sujeitos ao IOF, ao contrário de um empréstimo tradicional.

A perspectiva de queda da taxa básica de juros (Selic) deve aumentar a demanda dos investidores por papéis privados, segundo Ignacio Lorenzo, responsável pela área de distribuição do Santander. "Com o fraco desempenho da bolsa, houve uma migração de recursos para a renda fixa, que agora precisam ser alocados", afirma. No acumulado deste ano, os fundos DI e renda fixa captaram quase R$ 66 bilhões, enquanto os multimercados e ações registraram resgates da ordem de R$ 40 bilhões.

Em um ano difícil para a indústria de fundos, a procura por produtos com risco de crédito tem sido grande, segundo o diretor da área de gestão de recursos do Itaú, Paulo Corchaki. Ele afirma que os fundos do banco com essas características passam a maior parte do tempo fechados, à espera de boas oportunidades. "Em apenas um dia, fechamos a captação de um fundo de R$ 700 milhões", diz.

Ao contrário do mercado externo, as emissões de títulos privados locais estão ativas e sem reflexos da crise, destaca Luís Guido, responsável pela área de distribuição do Itaú BBA. "Em geral, as operações têm boa procura e custos bastante adequados", avalia.

Embora o mercado doméstico tenha condições de atender a maior parte das operações, ele pondera que as empresas que desejam realizar emissões mais longas, acima de dez anos, ainda precisam acessar o investidor externo. No país, as operações têm saído com prazos de 5 a 7 anos. Por isso, as companhias hoje têm estudado os dois mercados, de acordo com o executivo. "Existe sempre a possibilidade de abertura de uma janela de oportunidade lá fora", diz.

(Vinícius Pinheiro l Valor)

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