Chinês demolidor

Os carros da China detêm menos de 1% do mercado. Mas, com boas ofertas, forçam as montadoras Ford, Renault e Citroën a rever suas estratégias.

O representante comercial Emanuel Figueira Carrilo, 31 anos, era um cliente que dividia sua preferência entre as quatro maiores montadoras instaladas no Brasil. Nos últimos 13 anos, passaram pela sua garagem os populares Ford Fiesta, GM Corsa, Fiat Palio e Volkswagen Gol. Mas, em março deste ano, Carrilo foi atraído pelo preço baixo do veículo chinês JAC J3, que tinha uma lista generosa de equipamentos de série, como air bag, freios ABS, ar-condicionado, sensor de estacionamento e direção hidráulica. “Minhas opções eram Sandero e Agile, mas o J3 era muito mais completo e barato”, diz Carrilo.

O fato de ser um carro de origem chinesa gerou uma certa desconfiança inicial, mas ela logo foi superada pela empolgação com o veículo. “Não quero mais carros nacionais, eles são mais caros e vêm sem nada”, afirma. A postura de Carrilo retrata à perfeição o impacto que os carros chineses vêm causando no mercado brasileiro, ao ameaçar a hegemonia dos fabricantes estabelecidos há décadas. Apesar de terem conquistado menos de 1% de participação de mercado, os veículos importados do país asiático têm forçado as montadoras a rever suas estratégias. “Nossos carros são os mais bem equipados e os únicos a dispor de seis anos de garantia”, afirma Sérgio Habib, presidente da JAC Motors.

A marca estreou no Brasil em março comercializando o compacto J3 nas versões hatch e sedã. O carro é oferecido por R$ 37.900 e R$ 39.900 respectivamente. Em maio, teve 1.112 unidades vendidas do sedã e 1.927 do hatch, segundo a Fenabrave, associação que reúne os distribuidores de veículos. Para comparar: o Volkswagen Fox, líder da categoria de hatches pequenos, vendeu 9,2 mil unidades no mesmo período.
 
Mas fez isso com o apoio de uma rede de mais de 600 concessionárias. A JAC tem apenas 42. “As vendas das marcas chinesas ainda são muito baixas”, afirma Fernando Trujillo, consultor da CSM WorldWide, especializada no setor automotivo. “Mas já é o suficiente para preocupar as montadoras nacionais.” O bom desempenho nas vendas do J3 soou como um alerta para as empresas presentes no mercado brasileiro. A reação veio na forma – boa para o consumidor – de redução de valores. A Ford, por exemplo, adotou preços idênticos aos chineses para o Fiesta 1.6 hatch e sedan, em abril. 

Esse modelo também agregou à sua lista de equipamentos de série itens como air bag, freios ABS, computador de bordo, direção hidráulica e ar-condicionado. A promoção, no entanto, só vale para quem comprar os carros nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, justamente as duas praças onde a JAC possui o maior número de concessionárias. “A venda dos carros chineses ainda é muito baixa para nos fazer adotar uma nova política de preço”, disse à DINHEIRO Rogelio Golfarb, diretor de assuntos corporativos da Ford Brasil e Mercosul.
 
O executivo ainda revelou que estes preços serão ampliados para todo o Brasil em julho. A montadora americana não foi a única a se mexer diante da ofensiva chinesa. O Renault Sandero, que acaba de passar por uma atualização visual, teve seu valor reduzido em cerca de R$ 1 mil para todas as versões. Procurada, a montadora francesa, através de comunicado oficial, informou que “a estratégia da Renault no Brasil é decorrente de uma análise global do mercado e dos segmentos, não de um concorrente específico”. Outro oponente que melhorou sua oferta foi o Citroën C3.

O modelo passou a contar com bancos de couro, rodas de liga leve e novo conjunto de faróis escurecidos desde a versão de entrada, sem alterar seu preço de R$ 37.990. Assim como as outras marcas, a Citroën negou que as mudanças sejam uma reação ao J3. “O C3 sempre foi oferecido recheado de equipamentos”, afirma Domingos Boragina Neto, diretor comercial da Citroën do Brasil. “Essa estratégia comercial não foi alterada recentemente.”
 
Com a chegada de novos modelos e com a melhor estruturação de suas redes de distribuição, os carros chineses devem acirrar ainda mais a competição no mercado brasileiro. “O aumento da concorrência contribui para a queda de participação das marcas mais antigas”, diz Habib, da JAC Motors. Com o lançamento de dois novos carros até o final do ano, o empresário planeja vender 45 mil unidades. Outra meta ambiciosa é a da chinesa Chery do Brasil.
 
A companhia, que vai investir US$ 400 milhões para construir uma fábrica em Jacareí, no interior de São Paulo, pretende alcançar 3% de participação no mercado até 2015. O modelo de maior potencial de seu porftólio é o recém-lançado QQ, um compacto com uma lista de equipamentos completa. O modelo tirou do Fiat Mille o título de carro mais barato do Brasil, custando R$ 22.900. “A chegada de carros como o QQ adiantará o lançamento de veículos subcompactos das grandes montadoras”, afirma Trujillo, da CSM WorldWide. Tudo indica que a Volks lançará no ano que vem um popular mais barato do que o Gol. A Fiat também entrará no mesmo segmento, fabricando um modelo mais em conta que o Mille, a partir de 2014.

(Rafael Freire l Isto é Dinheiro)

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