O dólar está barato, e agora?

A moeda americana chegou ao valor mais baixo desde 1999. Isso é bom para o Brasil? Economistas avaliam que o momento é bom para comprar produtos.

Na última semana, o preço do dólar caiu por seis dias seguidos, atingindo o menor patamar desde janeiro de 1999, quando o valor da moeda passou a ser definido pelas cotações de mercado. O governo logo reagiu e anunciou medidas para tentar estabilizar a queda. O aumento da taxação de operações de câmbio funcionou nos dias seguintes, mas economistas são céticos quanto à possibilidade de retenção da queda por muito tempo. Apesar das preocupações do governo, o dólar barato anima brasileiros que vão viajar ou comprar produtos importados. Afinal, o dólar tão barato é bom ou ruim para nós?

Para o consumidor brasileiro, pode ser muito positivo. Dólar barato significa um bom momento para viajar e fazer compras. Com o real valorizado, viagens para o exterior ficam mais baratas para os bolsos brasileiros. Usar o cartão de crédito internacional também pode ser vantajoso, já que o consumidor paga o preço do dólar na data da fatura do cartão, e a expectativa é de que a moeda continue caindo – ou pelo menos que não fique mais cara nos próximos meses.

Comprar dólares como investimento, no entanto, pode não ser uma boa ideia. Como um dos principais fatores para o preço da moeda americana estar tão baixo é a conjuntura internacional – principalmente a crise nos Estados Unidos -, nada indica que a moeda possa valorizar no curto prazo. Quem pretende investir em dólar agora pode ver seu dinheiro cair ainda mais nos próximos meses.

A moeda americana chegou a esse patamar por uma conjunção de fatores internacionais. Na verdade, o dólar já vem caindo há um bom tempo. Desde quando explodiu a crise financeira nos Estados Unidos, em 2008, os países industrializados vivem momentos de incerteza econômica, com altas taxas de desemprego. Nos últimos dias, o cenário internacional acirrou essa queda. Na Europa, a crise na Grécia levantou temores sobre uma recessão em todo o bloco europeu. Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama enfrenta dificuldades em aprovar um novo teto para a gigantesca dívida americana.

Com as incertezas, investidores passam a aplicar dinheiro em outras moedas. Nesse cenário, o Brasil se torna um destino interessante para a especulação financeira, porque vive um período de estabilidade econômica, mas principalmente porque pratica juros altos, o que remunera o capital internacional. "Nessa incerteza, os investidores se retraem e não aplicam no dólar, procurando outras moedas. O Brasil tem juros altos e economia estável, e, por isso, atrai esse capital, o que valoriza o real", afirma a economista Lia Valls, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas.

Curiosamente, um dos resultados dessas operações entre investidores acaba sendo o aumento do poder de compra do brasileiro, que passa a ter uma melhor situação para consumir não só no exterior, mas também no Brasil. Segundo o especialista em câmbio Túlio Santos, da B&T Corretora, a situação já modifica os preços de produtos importados no Brasil. "O dólar já está barato há algum tempo, e isso já está influenciando os preços de importados no mercado. O brasileiro está com um poder de compra maior, principalmente em produtos tecnológicos." Carros, eletrônicos e uma série de produtos que vêm do exterior – ou usam peças compradas lá fora – ficam mais baratos para o consumidor brasileiro.

Além disso, outro efeito positivo é que a queda do dólar ajuda a controlar a inflação, já que facilita a entrada de produtos importados. "O dólar baixo supre a falta de produtos no mercado interno com importados mais baratos, o que ajuda a manter a inflação baixa. Essa poderia ser uma estratégia do governo para o combate à inflação em alguns setores específicos", diz Santos.

Apesar da cotação baixa do dólar ser positiva para consumidores, a tendência preocupa o governo. O grande problema é que ela compromete a competitividade da indústria nacional. A desvalorização da moeda americana prejudica os exportadores, pois os seus produtos ficam mais caros no exterior, comparados com os de outros países, e também a indústria local, que não consegue competir com os produtos importados mais baratos. Segundo análise da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o setor industrial brasileiro enfrenta queda de produção, enquanto ao mesmo tempo as vendas aumentam no varejo. Isso significa que os produtos da indústria nacional estão sendo substituídos por produtos importados na escolha do consumidor.

Alguns setores já falam em risco de desindustrialização: como os consumidores estão substituindo produtos nacionais pelos importados, fábricas nacionais perdem mercado e correm risco de ir à falência. Se isso se tornar um processo de longo prazo, o Brasil pode perder suas indústrias, aumentando o desemprego.

Segundo o empresário Jorge Gerdau, que preside a Câmara de Política de Gestão do governo Dilma Rousseff, o Brasil já está vivendo um processo de desindustrialização. "O Brasil tem que definir limites de entrada de capitais estrangeiros, que alimentam a desindustrialização e intensificam o valor do real", disse, após reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). O empresário, que é muito próximo da equipe econômica do governo, disse que a presidente "tem preocupação total" com o problema, mas que é preciso ter uma melhor definição da situação internacional antes de agir.

Para Lia Valls, no entanto, ainda é cedo para falar em desindustrialização. "Para saber se existe tendência de desindustrialização, precisa-se analisar a questão no longo prazo. Além disso, há outros fatores que contribuem para a perda da competitividade das empresas brasileiras, como falhas na infraestrutura, alta tributação e juros altos", afirma.

Se o dólar vai continuar caindo no longo prazo, é difícil prever. A situação depende principalmente dos americanos, que negociam aumentar o limite da dívida do País. De qualquer forma, tudo indica que, a curto prazo, a moeda vai continuar caindo. "Claro que chega uma hora que vai estabilizar, mas acho que ainda tem espaço para uma pequena queda nos próximos meses", diz Santos. Ou seja, os consumidores ainda devem ter alguns meses de boas compras para produtos importados. Mas é bom o País ficar alerta para evitar que o câmbio prejudique a economia nacional, e não culpar a valorização do real como único fator a prejudicar a competitividade dos produtos brasileiros.

(Bruno Calixto | Época)

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