Recessão faz 277 indústrias fecharem as portas em 2015

Num cenário de recessão, mais empresas brasileiras estão sendo obrigadas a fechar as portas. Em 2015, houve aumento de 12,6% no total de indústrias que tiveram a falência decretada pela Justiça na comparação com o ano anterior, segundo levantamento da Boa Vista SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito). No total, 277 fábricas fecharam, contra 246, em 2014. Quando se incluem na conta as empresas de comércio e serviços, o total de falências decretadas cresce 16,6% — de 924, em 2014, para 1.078.

Trata-se da maior taxa de expansão desde 2005, quando foi promulgada a nova Lei de Falências. ‘CREDIBILIDADE DO GOVERNO ESTÁ COMPROMETIDA’ — A indústria já mostra fraqueza há mais de quatro anos. O resultado é o aumento das falências. Mas, o que preocupa é que, no ano passado, as falências de comércio e serviço também tiveram crescimento expressivo, com a queda no consumo, perda da renda e do emprego. A crise é significativa — avalia Flávio Calife, economista da Boa Vista SCPC. Somente no ano passado, quase cem mil lojas encerraram as atividades, segundo a Confederação Nacional do Comércio. Em São Paulo, diante da procura, uma das duas Varas de Falência da capital paulista determinou uma perícia prévia nas empresas que entram com pedido de recuperação. Na prática, funciona como uma espécie de triagem. Com o uso desse filtro, 30% dos pedidos são recusados. — É uma perícia para avaliar se a empresa é inviável. A recuperação judicial tem como foco proteger o interesse socioeconômico da companhia: empregos, receita, recolhimento de tributos, serviços. Sem contrapartida social, o processo vai proteger apenas o interesse do devedor — diz o juiz Daniel Costa, titular da 1ª Vara de Falências do Tribunal de Justiça de São Paulo, que diz que, entre os processos homologados, 70% são concluídos com êxito. Em um caso dramático de falência, funcionários ocupam duas unidades da Mabe — multinacional com sede no México, que fabrica fogões e geladeiras das marcas Dako e Continental — em Hortolândia e Campinas, em São Paulo, desde fevereiro, quando a empresa teve a falência decretada. Os empregados reivindicam o pagamento de direitos trabalhistas e atrasados e a reativação das operações.

A empresa entrou em recuperação judicial em 2013. Em dezembro, deu férias coletivas de um mês aos funcionários, mas não retomou atividades. — Realizamos assembleia e decidimos manter a ocupação, embora tenhamos recebido notificação judicial pedindo a desocupação da fábrica de Hortolândia. Queremos discutir com o administrador da massa falida — afirma Sidalino Orfi Jr., presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas. Uma solução em estudo, segundo fontes, é usar recursos referentes a dois processos que a Mabe abrira antes da falência e que somam R$ 45 milhões depositados em juízo para quitar dívidas com trabalhadores e fornecedores. A liberação do montante dependeria de autorização da Fazenda Nacional. Para Cristóvão Pereira de Souza, especialista em Finanças e professor da FGV-Rio, superar o quadro atual de crise na indústria requer mudança no cenário político: — Nos últimos anos, o governo adotou uma série de medidas equivocadas e que levaram o país à recessão. Com o impeachment, isso poderia começar a mudar. A credibilidade do governo está muito comprometida. E economia se baseia em confiança. Sem confiança, não há recursos. Sem recursos, não há investimentos. ‘EMPRESÁRIO LUTA ATÉ O FIM’ Para o advogado Rogério Nicola, do escritório Nicola, Saragossa e Campos, especializado em recuperação judicial, o aumento do número de falências reflete a falta de confiança do empresariado: — O empresário luta até o fim para não permitir que a falência seja decretada. Isso está no DNA do empresariado. Foi o caso da filial brasileira da alemã Bekum, que desde 1975 atuava fabricando máquinas sopradoras de plástico, usadas na produção de garrafas PET. Com o real sobrevalorizado, em 2012 equipamentos similares passaram a ser importados. A produção da indústria apresenta queda mensal desde março de 2014, segundo o IBGE. O agravamento da crise derrubou a Bekum, que tentou a recuperação judicial por duas vezes, sem sucesso, e teve a falência decretada em março de 2015, com a demissão de 85 funcionários. Segundo a Serasa Experian, entre 2014 e 2015, 1.292 indústrias tiveram pedidos de falência apresentados à Justiça. Os credores podem pedir a falência quando a dívida líquida vencida e não paga supera o valor de 40 salários mínimos, dizem especialistas. Para Flavio Castello Branco, gerente de política econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o que mias afeta as empresas do setor é uma combinação de pressão de dívidas e dificuldade para conseguir crédito. Com a Selic em 14,25% ao ano e o medo da inadimplência, a taxa de juros do capital de giro subiu de 22,5% ao ano em janeiro do ano passado para 29,2% em janeiro deste ano. — Há um refluxo dos empréstimos a empresas que começam a apresentar dificuldade. Então, o crédito fica difícil, mais caro — diz Castello Branco, que avalia que só a retomada do crescimento da economia poderá tirar a indústria da crise. Para Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), três fatores contribuem para o aumento do número de falências no setor: queda no volume de vendas, arrocho no crédito e desvalorização cambial. Os dois primeiros dificultam a entrada de dinheiro nos caixas das empresas, enquanto o dólar mais caro pressiona os custos. Resultado: encurralados, muitos não resistem. — No atual estágio, a desvalorização do câmbio é favorável porque amplia a competitividade do produto nacional, mas também é um elemento de custo, porque muitos ramos produtivos têm uma participação de componentes importados muito relevantes em sua estrutura de despesas — diz Cagnin.

Enquanto a recuperação não chega, Renata Monteiro, presidente da Apsis Consultoria, especializada em avaliação de ativos, diz que a demanda cresceu 50% no primeiro trimestre em relação ao período de outubro a dezembro: — Há mais recuperações judiciais, mas também há mais empresas em atividade vendendo ativos para gerar caixa. É um momento interessante para quem pode investir. IMPACTO NAS MULTINACIONAIS Os estragos da crise não poupam grupos multinacionais. A Rhodia anunciou em abril do ano passado o fechamento da unidade de Jacareí, onde produzia fios têxteis de poliamida. Foram demitidos 129 funcionários, e a empresa informou que concentraria a produção de fios na fábrica de Santo André, no ABC paulista. Em nota, ela atribui a decisão à queda no consumo de produtos industrializados. “Houve acréscimo substancial dos custos de produção, que foram agravados em 2015 pelo aumento excessivo do custo de energia”, diz. A Alcoa, especializada na produção de metais leves, se ajustou ao ambiente menos favorável. Em março do ano passado, ela suspendeu a produção de alumínio primário, num momento de alta das tarifas de energia. Na ocasião, cortou 74 mil toneladas da produção da usina Alumar, em São Luís, no Maranhão, e parou de produzir alumínio primário no país. Procurada, informou que não tem planos de retomar estas atividades. Instalada desde 1964, em São José dos Campos, a Amplimatic, fabricante de peças de alumínio, fechou as portas em agosto e demitiu 57 funcionários. Sem caixa, teve até a energia e o gás cortados. Maurício Souza de Oliveira, ligado ao Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, diz que ele e os outros empregados não receberam os direitos trabalhistas. Em dezembro, a fábrica voltou a funcionar com 30 funcionários sem carteira assinada. Procurada, a Amplimatic informou que se encontra em recuperação judicial e que reiniciou as atividades dentro da legalidade, garantindo que os novos funcionários estão contratados sob o regime CLT. Sobre o pagamento das verbas rescisórias dos antigos funcionários, a empresa não quis se pronunciar. LEADER MAGAZINE DEVE SER VENDIDA ATÉ FIM DE ABRIL A Leader vai trocar 100% de mãos até o fim de abril. Fábio Carvalho, presidente do Conselho de Administração da Casa & Vídeo, e à frente de uma companhia de investimento, deverá assumir a empresa, afirmam fontes próximas às negociações. Pelas tratativas, o BTG Pactual, que adquiriu a varejista fluminense em 2012 por R$ 1 bilhão, e a família Gouvêa, fundadora da empresa e que mantém 30% de participação, deixarão a companhia. A operação ainda não tem valor definido. — A Leader acumula, hoje, dívida superior a R$ 1,3 bilhão. Dificilmente, o BTG terá qualquer retorno com a venda do ativo. Mas o investidor vai assumir o passivo da varejista. Por ora, o foco está em redução do endividamento. A recuperação é viável, mas haverá fechamento de lojas e ajuste no foco do negócio, que deverá se concentrar no segmento de confecção — explicou um executivo que acompanha as conversas. No início do ano, o comentário no mercado era que a varejista entraria em recuperação judicial. Optou, porém, pela reestruturação, a cargo da Alvarez & Marsal.

O trabalho da consultoria — que, de 2006 a 2009, comandou um primeiro processo de reestruturação da Leader e que impulsionou a expansão da empresa nos anos seguintes — está na melhora da saúde financeira, cortando dívidas. — Somente com fornecedores, há R$ 100 milhões em pagamentos atrasados. Todos estão sendo procurados para negociações que têm por objetivo garantir estoque na rede de lojas, mantendo operações e gerando caixa e resultado — explicou essa fonte. Uma parte importante da dívida está atrelada à conclusão de um pagamento pela compra da varejista paulista Seller. Em 2013, a família Furlan vendeu a Seller à Leader, e ficou acertado que o pagamento seria parcelado. Em janeiro, os Furlan entraram com um pedido de falência da Leader pelo não recebimento de dívidas. DISPUTA JUDICIAL A Alvarez & Marsal, conta uma fonte próxima à consultoria, vem atuando judicialmente para que a Leader não seja obrigada a fazer o depósito em juízo da quantia devida à Seller. Em paralelo, estaria já em conversas com a família Furlan para chegar a um acordo e pôr fim à disputa. Carvalho já trabalhou para a Alvarez & Marsal em processos de recuperação judicial como os da Varig e Casa & Video. Passou a presidente do conselho desta última e, hoje, detém 49% da companhia. Ele reconhece participar de conversas sobre a Leader, mas não comenta detalhes das negociações.

A situação da Leader se agravou depois que o BTG Pactual, acionista controlador, decidiu reduzir ou se desfazer de sua fatia na empresa. O banco vem vendendo ativos e participações societárias desde que André Esteves, fundador e ex-diretor executivo, foi preso envolvido em investigações da Operação Lava-Jato. A família Gouvêa chegou a cogitar a recompra da parte do banco no negócio, mas desistiu, após conduzir estudo que mostrou que não seria possível assumir a dívida e a readequação da varejista, que mantém uma rede de mais de 90 lojas.

Comentário Renata Monteiro – Jornal do O Globo – 23 de Março de 2016

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