Varejo, crédito, seguro, consórcio… Até onde vai a Máquina de Vendas

Em março do ano passado, o mercado foi surpreendido pelo jeito matuto como as empresas Insinuante e Ricardo Eletro se uniram para formar a segunda maior rede varejista de eletroeletrônicos do País. Sem a assessoria de banqueiros, Luiz Carlos Batista, controlador da primeira, e Ricardo Nunes, fundador da segunda, conversaram até de madrugada e dormiram no mesmo quarto de flat no episódio que marcou o início das negociações. "Em um momento o Ricardo perguntou: cadê a toalha? Dali a pouco ele já estava de pijama. Acho que isso ajudou a fechar o negócio porque acabou com a formalidade", diz Batista. Perto do primeiro aniversário da fusão, porém, o clima de improviso ficou para trás. Enquanto Ricardo se encarrega de encerrar a integração de ambas as companhias, Batista ficou com a tarefa de pensar o futuro do grupo, que envolve não só a abertura de capital como a criação de novas empresas. "Agora os filhotes começam a nascer", diz Batista.

A primeira iniciativa dessa estratégia foi anunciada no início do mês, com a criação de uma empresa de serviços financeiros, em parceria com o HBSC. Segundo executivos próximos, o banco aportou R$500 milhões no negócio, mas não terá participação na nova companhia. Inicialmente, a intenção é oferecer cartões de crédito e empréstimos para clientes da varejista. No longo prazo, porém, o negócio (ainda sem nome) deverá ter vida própria e dar empréstimos para pequenos varejistas. Em entrevista ao Estado, Batista revelou seus próximos passos. Agora, a holding da Máquina de Vendas quer ter uma seguradora e uma empresa de consórcios.

Assim como aconteceu no caso da financeira, em que Itaú e Bradesco entraram na disputa com o HSBC, a Máquina de Vendas pretende promover uma espécie de concorrência entre as principais seguradoras do País. A nova empresa que surgir desse processo deverá vender seguros de vida e garantia estendida de eletrodomésticos, entre outros produtos. Para montar o consórcio de carros, motos e eletrodomésticos, a Máquina de Vendas precisa pedir uma autorização ao Banco Central.

A criação de empresas financeiras por parte de varejistas não é exatamente uma novidade. A Magazine Luiza, por exemplo, tem a Luizacred, joint venture com o Itaú que oferece de cartões de crédito a seguros. A Casas Bahia tem uma parceria com o Bradesco desde 2004. A rede Gazin, do Paraná, tem um consórcio de carros e eletrodomésticos. "Os serviços financeiros são cada vez mais importantes na receita das varejistas", diz Marcos Gouvêa, da consultoria GS&MD. "No exterior, as redes já oferecem serviços não financeiros, como a instalação de eletrodomésticos. Muitas delas viraram até operadoras de celular."

Bolsa. No caso da Máquina de Vendas, a expansão para além das geladeiras e fogões tem a ver com a tendência do setor em geral e com sua realidade particular: a preparação para o IPO. Bem ao estilo da empresa, alguns bancos de investimento começaram a competir pela vaga de assessor e, até o fim do ano, a varejista deve estar pronta para a abertura de capital. Ainda não foi decidido como as empresas da holding Máquina de Vendas serão levadas à bolsa: se em conjunto ou em partes. De todo modo, ao separar os negócios, a ideia é deixar claro para os investidores todos as facetas da holding – e assim conseguir uma valorização maior do grupo.

"A discussão, agora, é qual o melhor momento para o IPO. Os resultados do primeiro trimestre de 2011 não são os melhores para apresentar aos investidores porque o movimento no varejo é mais fraco mesmo. Mas, se esperar demais, a empresa pode ver a janela do mercado do mercado de capitais se fechar", disse um banqueiro próximo.

Apesar da expansão em várias frentes, o varejo continua sendo a prioridade da Máquina de Vendas. A intenção é que os novos negócios sirvam para promover as vendas da rede ao aumentar o tráfego de pessoas nas lojas. O modelo de holding também servirá como base para o crescimento via fusões e aquisições. Foi assim com a rede City Lar, do Mato Grosso, incluída no ano passado. Uma nova empresa foi criada, a Máquina de Vendas Norte, que está abaixo da companhia-mãe mas, ao mesmo tempo, mantém o antigo controlador, Erivelto Gasques, como sócio. "Ganhamos com a escala na hora de negociar compras com fornecedores de eletroeletrônicos e também de tecnologia para nossos sistemas", diz Gasques. "Mas toda a região Norte ficou sob minha responsabilidade, tenho toda a autonomia. A empresa não perdeu o dono atrás do balcão." A mesma tática deve ser usada para aumentar a presença no Sudeste (hoje há apenas 11 lojas no estado de São Paulo) e entrar no Sul.

"Corda do caranguejo". O estilo de gestão, que pretende respeitar peculiaridades regionais e manter a competitividade das redes, deu origem a uma relação quase umbilical entre os três sócios. Batista, Nunes e Gasques falam-se por telefone todos os dias – em alguns, várias vezes. Pelo menos uma vez por mês eles se encontram em uma reunião que dura o dia todo e ocorre em Salvador. Mesmo no tempo livre eles estão juntos. Foram assistir a Copa da Mundo na África do Sul e levaram mulheres e filhos para Miami (EUA) em setembro. Chegando lá, ficaram no mesmo hotel e usaram uma van para se deslocar pela cidade. Nunes costuma chamar o grupo de "corda de caranguejo". No carnaval, todos devem ir para Salvador se hospedar da casa de Batista.

Segundo pessoas próximas ao trio, o clima entre os empresários é ameno exatamente por conta da divisão de tarefas. Batista, responsável pelos novos negócios, tem passado a maior parte do tempo em São Paulo, perto dos bancos de investimento. Gasques trata das questões referentes à rede City Lar enquanto Nunes, de Belo Horizonte, comanda o dia a dia do grupo como um todo, especialmente Insinuante e Ricardo Eletro.

Expansivo e carismático, Nunes sempre foi a face pública de sua rede varejista: dando entrevistas, protagonizando propagandas de TV e atendendo diretamente os clientes. Até hoje ele trabalha como vendedor aos sábados e leva dois celulares para atender gerentes que ligam enquanto negociam com consumidores. "No varejo, não dá para ficar no ar condicionado, no segundo andar", diz Nunes. Mas agora que a Máquina de Vendas tornou-se uma holding com ambições expansionistas, Batista, uma figura até agora discreta, começa a se expor. A diferença é que ele precisa vender para outro público: banqueiros, investidores e futuros parceiros. Resta saber se, na nova empreitada, a empresa terá o mesmo sucesso.

(Melina Costa – O Estado de S.Paulo)

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