Aos 45 anos, o presidente-executivo do grupo Cosan, Marcos Lutz, tem pela frente, certamente, o maior desafio em sua carreira: a reconstrução da ALL, um grupo ferroviário com 13 mil km de concessões e muita coisa para consertar. Pelo menos cinco anos serão necessários para pôr a ferrovia nos eixos, renovar sua frota de locomotivas e vagões, modernizar seus trilhos para ganhar eficiência operacional e atender satisfatoriamente a demanda de centenas de clientes. O pacote de investimentos previsto nesse período totaliza R$ 7 bilhões. Outros R$ 2 bilhões estão orçados para os anos seguintes.
Dentro de um mês, a nova companhia, oriunda da incorporação da ALL pela Rumo Logística, que é controlada pela Cosan, terá definida sua nova gestão. Já está certo que dois superexecutivos ficarão logo abaixo do CEO – um responsável pelo corredor Rondonópolis-Santos, que transporta mais de 60% da carga escoada hoje, e outro pelas operações de bitola estreita, que estão no Sul do país, conectadas aos portos de Paranaguá, São Francisco do Sul e Rio Grande.
Eles terão cargos de vice-presidente operacionais e seus nomes devem ser revelados nos próximos dias. A divisão, justifica Lutz, se deve ao tipo de operação das linhas. A de Rondonópolis-Santos, por exemplo, onde trafegam grãos e açúcar, requer ações urgentes, principalmente no trecho de Araraquara (SP) até divisa com o Estado de Mato Grosso do Sul.
É esperada para até fim de março a última aprovação das autoridades reguladoras para a fusão. Ontem, teve o sinal verde da Antaq (agência que regula transporte aquaviários). Na segunda-feira, o processo será encaminhado para a Secretaria Especial de Portos (SEP) para aprovação final. O negócio já passou pelo crivo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que impôs algumas restrições, e da ANTT (que regula transportes terrestres).
Após esse ritual, as duas empresas se fundem, obtendo as aprovações de praxe dos acionistas de ambas. A ação ALLL3, da concessionária, deixa de ser negociada na BMF&Bovespa e virá em seu lugar o ticker Rumo3.
“A partir desse momento, com os nomes do alto escalão da nova equipe de gestão definidos, vamos arregaçar as mangas da camisa e começar a reconstruir um projeto que possa atender toda a carga com vocação de transporte ferroviário”, afirmou Lutz, em entrevista ao Valor.
O executivo está envolvido com o negócio ferrovia na Cosan desde o fim de 2011, quando foi definido um plano de entrar na ALL. Como era vésperas de Natal, recebeu o nome de “Projeto Noel” para evitar vazamento das informações. A oferta de compra de uma participação na ferrovia ocorreu em fevereiro de 2012.
Conforme o executivo, atualmente, bem menos da metade da carga potencial de captação destina aos portos de Santos e Paranaguá. “Nosso objetivo é que toda a carga de grãos, como soja e milho, do Mato Grosso que vai para Santos seja transportada por trem”. Boa parte vai por caminhão. Ele estima que isso possa ocorrer em até seis anos.
Um fator importante para o negócio ganhar a dimensão de investimentos prevista e passe por uma profunda transformação, é a extensão dos prazos de três concessões da ALL, afirma Lutz, que está à frente da Cosan desde 2009. Elas vencem a partir de 2026 (Malha Oeste). Em 2027, termina a da Malha Sul e, em 2029, a da Malha Paulista. A antiga Ferronorte, no Mato Grosso do Sul, vigora até 2079.
O governo e a ANTT vão receber da Cosan um projeto detalhado da nova ALL. “Vamos mostrar a importância dele para o país e para atender a demanda de carga”. Segundo o executivo, o pesado montante de investimentos precisa de mais tempo para retorno do capital. “Com cinco anos ou pouco mais, nenhum banco vai me emprestar dinheiro para investir”, afirma.
A capacidade da ferrovia vai mais que dobrar em até seis anos. Vai atingir 50 milhões de toneladas apenas no corredor entre Rondonópolis e o porto de Santos.
Lutz conta que terá de refazer tudo e que será como trocar a turbina do avião com ele voando. Terá de mexer em mais de 1500 km de trilhos sem parar o fluxo de carga. Entre os gargalos a serem atacados com mais urgência, ele aponta inúmeras ações no acesso ao porto de Santos para movimentar com mais agilidade os trens que chegam aos terminais.
A nova companhia também buscará uma relação de comprometimento de longo prazo com seus clientes – grandes tradings de commodities agrícolas, fabricantes de celulose e distribuidoras de combustíveis, entre outros. De maneira geral, a ALL não adotava essa prática. É de conhecimento público as reclamações de clientes em relação ao serviços da ferrovia.
“Vamos oferecer mais eficiência e cumprir volumes acordados nos contratos”, assegura Lutz. Assim, diz, todos vão se beneficiar. O foco comercial da nova companhia, no primeiro momento, é buscar cargas mais distantes (grãos do Mato grosso) e a seguir desenvolver mais o mercado de açúcar.
O prazo de sete anos previsto para receber até R$ 9 bilhões, informa, prevê a troca de quase tudo, desde locomotivas de maior capacidade e mais eficiência (hoje são mil em operação), a maior parte dos vagões (20 mil), grande parte de trilhos, construção de novos e ampliação de atuais pátios ao longo da via. O plano prevê operação com trens de 120 vagões.
Uma equipe de 20 pessoas formada por técnicos de ALL e Rumo – que atuou de forma neutra devido às regras do Cade – dedicou-se nos últimos nove meses a um levantamento completo dos ativos de ALL e Rumo. Apontou gargalos existentes e o valor de investimentos para a nova ferrovia. “É uma transformação crucial para duas empresas, com histórias conturbadas”, diz o executivo.
Em 2009, a Rumo firmou um contrato de operação na via da ALL, de Campinas a Santos, fazendo investimento de R$ 1,1 bilhão (valor da época). Receberia em troca, transporte de açúcar. O plano desandou, foi parar na Justiça e só se resolveu com a fusão de ambas no início do ano passado.
Nos próximos seis meses, a nova empresa terá de implementar uma série de ações exigidas pelo Cade no ato de aprovação da fusão para atender padrões de concorrência: um supervisor de compliance, um Comitê de Partes Relacionadas e emitir relatórios periódicos de suas operações.
A ALL, sigla de América Latina Logística, com sede em Curitiba (PR) foi criada em 1997, quando um grupo de investidores arrematou, na privatização da antiga RFFSA, a concessão da Malha Sul. Daí, a empresa se expandiu para a Argentina (onde só perdeu dinheiro e de lá saiu em 2013), e para São Paulo e Mato Grosso. Atualmente, controla duas empresas: Brado e Ritmo.
Nos nove meses de 2014, a concessionária obteve receita líquida de R$ 2,97 bilhões, com lucro líquido de R$ 138,8 milhões. A relação entre dívida líquida e resultado operacional (Ebitda, que foi de R$ 1,47 bilhão) é de 2,45 vezes, ligeiramente em alta desde 2009.
Além de terminais de captação de cargas no interior de São Paulo e de embarque no porto de Santos, a Rumo vai adicionar 1,3 mil funcionários à ALL, que emprega cerca de 8,5 mil pessoas.
(Valor)