Como fica o goodwill com a Reforma Tributária

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Como todos sabem, o Governo Federal brasileiro apresentou ao Congresso Nacional, no dia 25 de junho deste ano, a segunda fase da Reforma Tributária (Projeto de Lei nº 2.337/21), que tem como foco as alterações no imposto de renda das pessoas físicas e jurídicas e na contribuição social sobre o lucro líquido. Dentre vários os temas polêmicos dessa reforma (como a tributação de dividendos e o aumento da carga tributária para sócios de empresas), há uma mudança que foi pouco notada e pode trazer consequências relevantes ao mercado de Mergers and Acquisitions (M&A), além de fazer com que o Brasil perca competitividade.

A Reforma Tributária prevê uma mudança no tratamento fiscal aplicável ao goodwill e às mais-valias de ativos. De acordo com o texto do referido Projeto de Lei, o benefício fiscal da dedução do goodwill após incorporação só seria permitido em aquisições realizadas até 31 de dezembro de 2021 e cuja incorporação ocorra até 31 de dezembro de 2022. O texto prevê uma exceção às operações em que o closing dependa da aprovação de órgãos reguladores, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), prorrogando o prazo em até um ano para essas operações.

Com relação às mais-valias, há duas alterações principais. Primeiramente, o Projeto de Lei altera os artigos 20 e 21 da Lei nº 12.973/14 para definir que, nos processos de incorporação, cisão ou fusão, integra o custo do bem ou do direito somente o saldo da mais ou menos-valia registrado na contabilidade na data do evento, e não mais o saldo existente na data da aquisição do investimento. Assim sendo, no evento da cisão, fusão ou incorporação, a adquirente deve considerar o saldo da mais-valia existente na contabilidade na data daquele evento. Ou seja, caso a empresa demore a realizar a incorporação, ela perde a parcela já depreciada/amortizada na contabilidade. Em segundo lugar, há uma mudança no prazo para a amortização dos intangíveis, que passa a ser de duzentos e quarenta meses, salvo em caso de prazo legal ou contratualmente definido.

É importante notar que a depreciação/amortização contábil das mais-valias segue a vida útil determinada nos laudos de avaliação. Comumente, a vida útil de intangíveis é menor que o prazo de vinte anos estabelecido pelo Fisco. Analisando um intangível com vida útil de cinco anos definida em laudo de avaliação, caso a empresa demore dois anos para realizar a incorporação, ela já terá amortizado dois anos (ou 40% do ativo) em sua contabilidade. Quando a empresa fizer a incorporação do ativo, ela só poderá aproveitar os 60% restantes e em um prazo de vinte anos, bem superior à vida útil remanescente do ativo. Além disso, considerando o valor do dinheiro no tempo, haveria uma grande diminuição no benefício fiscal desse efeito para a empresa. Ademais, o goodwill, que podia ser amortizado fiscalmente em cinco anos, não poderá mais ser dedutível para fins fiscais. Não é difícil notar que, caso o Projeto de Lei avance nessas condições, os efeitos fiscais decorrentes das operações de combinações de negócios serão extremamente impactados.

Por último, o Projeto de Lei traz ainda mudanças significativas na ocasião de alienação de participação societária. Atualmente, o custo da participação alienada é o valor pago pelo negócio, ou seja, os valores originais do goodwill e das mais-valias integram o custo de aquisição para fins de apuração do ganho de capital na alienação. Agora, o Projeto de Lei prevê que os valores da mais-valia e do goodwill que compõem o custo estejam restritos ao saldo contábil na data da alienação. Ou seja, os valores que integrarão o custo para fins de apuração do ganho de capital contemplarão os valores já depreciados/amortizados.  Além disso, o goodwill deverá ser obrigatoriamente amortizado em um sexagésimo (isto é, em 1/60 avos), de maneira diferente do tratamento contábil aplicável, uma vez que o goodwill não é amortizado, ficando sujeito a testes de impairment.  Essa última mudança, combinada com a impossibilidade de amortização fiscal do goodwill, não nos parece fazer muito sentido.

Não temos como saber se o Projeto de Lei será aprovado na íntegra e qual redação do Projeto de Lei será aprovada, mas é importante ficar atento a esse tema, que pode impactar profundamente o mercado de M&A no Brasil. O benefício fiscal do ágio de rentabilidade futura é um fator relevante na tomada de decisão por parte dos investidores no que tange às aquisições de participações societárias. Sem poder contar com o benefício, ou somente contando com uma pequena parte dele, esse mercado pode diminuir bastante no Brasil, fazendo com que a área de M&A perca competitividade com relação aos mercados de outros países, especialmente se levarmos em consideração outras alterações trazidas pelo Projeto de Lei, como a questão da tributação de dividendos pela alíquota de 20% e a indedutibilidade dos juros sobre capital próprio.

Nos próximos meses, caso o Projeto de Lei seja aprovado nos termos apresentados anteriormente, muito provavelmente poderemos nos deparar com uma corrida para fechar aquisições que estejam em andamento ainda neste ano. Além disso, podemos esperar também a promoção de processos de incorporação de empresas no próximo ano.

 

Time Apsis – Miguel Monteiro

 

Miguel Monteiro
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