Demanda aquecida derruba custo de captação de empresas

O processo de queda da taxa básica de juros (Selic) aumentou a procura e, por consequência, derrubou o custo de captação das empresas no mercado de capitais brasileiro. Enquanto a crise externa praticamente paralisou as emissões externas e as ofertas de ações, as operações com papéis de dívida no país sofreram impacto bem menor.
 
Com o fraco desempenho da bolsa e o rendimento menor dos papéis do governo, os investidores institucionais correram para os títulos emitidos por empresas em busca de maior rentabilidade. O movimento beneficiou principalmente as companhias com boa classificação de risco.
 
Em novembro, a Companhia Energética do Ceará (Coelce) fechou uma captação de R$ 400 milhões com prazo de cinco anos pagando uma sobretaxa de apenas 0,97% na série corrigida pela taxa DI. Neste mês, o laboratório Fleury fechou sua primeira captação de debêntures, de R$ 450 milhões, pagando apenas 0,94% de sobretaxa sobre o DI.
 
Para efeito de comparação, apenas quatro meses antes, a Lojas Renner, que possui o mesmo rating de Coelce e Fleury (”AA+”), pagou um prêmio de 1,10% em uma operação com prazo idêntico. Com a redução nas taxas, a expectativa é de que os investidores aceitem um pouco mais de risco, em operações com ratings inferiores a ”AA-”, em troca de uma remuneração mais atrativa.
 
Se por um lado o custo de captação menor é positivo para as empresas, de outro gestores de fundos se queixam dos prêmios das emissões recentes, considerados insuficientes para proporcionar uma boa rentabilidade aos cotistas. "O retorno dos papéis, líquido do imposto de renda, em muitos casos não compensa o risco maior em relação a um título público", argumenta um gestor, que preferiu não ser identificado.
 
Apesar das reclamações dos investidores, a tendência é de que as debêntures de empresas de primeira linha continuem com prêmios magros, de acordo com Daniel Vaz, responsável pela área de renda fixa do BTG Pactual. "Os fundos de renda fixa continuam recebendo recursos, o que tende a aumentar a procura pelas emissões", diz. Para ele, apenas um agravamento drástico da crise da dívida na Europa pode comprometer as operações no curto prazo.
 
As captações de títulos de dívida no mercado de capitais brasileiro totalizaram R$ 77,7 bilhões de janeiro a novembro deste ano, leve alta de 3% em relação ao mesmo período de 2010, de acordo com dados da Anbima.
 
Com a demanda aquecida e os custos em queda, mais emissores devem testar o mercado de dívida corporativa no início de 2012. Segundo Vaz, as empresas de shopping centers devem se valer de instrumentos de dívida para financiar a onda de fusões e aquisições no setor. Companhias de segmentos que tradicionalmente fazem captações, como os de concessões rodoviárias e serviços públicos, também preparam emissões.
 
O executivo do BTG avalia, porém, que se o ritmo de queda da Selic for mais intenso do que o esperado, as captações de recursos que os fundos de renda fixa tiveram no segundo semestre podem se reverter, o que afetaria o apetite pelos títulos privados. "Existe o risco de migração para a caderneta de poupança, que tem a vantagem da isenção de imposto de renda", diz.
 
Caso as taxas apertadas das emissões recentes se mantenham, os investidores devem buscar alternativas mais rentáveis no mercado, segundo o superintendente executivo de mercado de capitais do HSBC, Antonio Oliveira. As letras financeiras – espécie de debênture que pode ser emitida por bancos – devem ser um dos instrumentos mais procurados, na avaliação do executivo.
 
Até o momento, houve apenas duas ofertas públicas de letras financeiras. A RCI Brasil, financeira do grupo de montadoras Renault-Nissan, captou R$ 300 milhões por três anos, pagando uma sobretaxa de 1,65% sobre a taxa DI. E o Banco Daycoval pagou 115% do DI em uma emissão e obteve R$ 250 milhões por dois anos. "São papéis que têm saído com prazos mais curtos e taxas mais altas, com o mesmo rating das debêntures."
 
Para Oliveira, outro instrumento que deverá ganhar fôlego em 2012 são os certificados de recebíveis imobiliários (CRI). Ao contrário de empresas de outros setores, as incorporadoras têm encontrado maior resistência dos investidores para captar recursos com outros instrumentos de dívida, como debêntures. "E, com o mercado de ações fechado para novas emissões, as companhias devem intensificar a venda de sua carteira de recebíveis para se financiar", avalia o executivo do HSBC.
 
Os CRI já foram destaque no mercado de capitais neste ano, com crescimento de 60,3% nas emissões entre janeiro e novembro. "A tendência para esse instrumento continua de expansão, em razão do ritmo de atividade do setor imobiliário", projeta o vice-presidente da Anbima, Alberto Kiraly.
 
A expectativa também é de crescimento dos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC) no ano que vem, após uma queda de 11,2% até novembro. Esse segmento sofreu com as medidas macroprudenciais do BC, mas deve passar por uma recuperação agora que parte das restrições foram retiradas, segundo Kiraly.
 
O mercado aguarda ainda com grande expectativa a chegada dos investidores estrangeiros, estimulada pelo pacote de incentivos fiscais do governo, que isentou as emissões de longo prazo de imposto de renda e imposto sobre operações financeiras (IOF). "As medidas criam um cenário positivo e podem ser um diferencial", avalia Kiraly. Ele pondera que a participação do investidor estrangeiro em ofertas no mercado local dependerá também do desenrolar da crise externa.
 
Os principais bancos de investimento já começaram a sondar a demanda por títulos de dívida brasileiros. As taxas de juros elevadas do país na comparação com os padrões internacionais, combinadas ao benefício tributário, chamam a atenção dos investidores de fora. A entrada do capital externo, contudo, deve ser gradual, segundo Vaz, do BTG. "A demanda do estrangeiro deve ser complementar à já existente no mercado local", considera.

(Vinícius Pinheiro | Valor)

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