IFRS prejudica a análise por múltiplos e o cálculo dos dividendos

No início do mês, foi divulgada a matéria abaixo sobre a análise por múltiplos na era pós-IFRS. De acordo com Luiz Paulo Silveira, da Apsis Consultoria, o IFRS introduziu uma série de alterações na forma de contabilização, relacionadas à essência do evento ou fato gerador do lançamento contábil. Por ser um padrão internacional, anulou uma série de tratamentos específicos implementados pelas contabilidades de cada país, principalmente para setores altamente regulados. Essas alterações forçam os participantes de mercado a adotar um olhar menos mecânico sobre as demonstrações financeiras das empresas, pois o entendimento do ciclo operacional, assim como da essência relacionada à dinâmica de cada grupo de contas contábeis, pode gerar ajustes relevantes a serem aplicados antes da análise por múltiplos.  “Estes ajustes não faziam parte da cultura do nosso mercado, a exemplo de diversos laudos de avaliação disponíveis na CVM utilizando múltiplos de EBITDA, conforme divulgado nos relatórios das companhias. Na era pós-IFRS, estes ajustes nas bases dos múltiplos serão quase que obrigatórios, conforme estabelecido nos padrões de avaliação internacionais que tratam das abordagens de mercado”, complementa Luiz Paulo.

Segue abaixo a matéria na íntegra:

A adoção do padrão contábil internacional IFRS trouxe maior volatilidade às demonstrações financeiras de companhias de setores regulados, como o de energia elétrica e o de concessão de gás. Com isso, a análise baseada em múltiplos (P/L ou FV/EBITDA) e a distribuição de dividendos ficam penalizadas. Veja o caso da Comgas.

Anteriormente, o incremento de algumas despesas derivado da aquisição da energia dolarizada de Itaipu e do maior uso de energia térmica, por exemplo, não impactava diretamente as demonstrações de resultado do exercício (DRE). O incremento da despesa era contabilizado no ativo regulatório, não transitando pela DRE em um primeiro momento. O lucro das companhias era mais estável e, com isso, o cálculo dos dividendos também. Esse aumento do dispêndio afetava o caixa das companhias, mas a restituição só ocorria no reajuste tarifário.

Sob o IFRS, essas despesas não são mais contabilizadas como ativo regulatório, indo diretamente para o resultado. As oscilações que antes eram restritas à geração de caixa, agora também afetam o resultado e com isso os dividendos calculados podem apresentar maior volatilidade.

Para mostrar como os efeitos do IFRS tornam o resultado mais volátil e prejudicam a análise por múltiplos, é importante observar o caso da Comgas, concessionária de distribuição de gás no Estado de São Paulo. Relatório do analista Márcio Prado, da Santander Corretora, é bastante didático sobre o assunto. Em 2011, com o incremento do custo do gás, o EBITDA (medida simplificada da geração de caixa) foi fortemente impactado sob os princípios do IFRS. O EBITDA de 2011 da companhia alcançou R$ 716 milhões, enquanto o indicador teria atingido R$ 1.008 milhões caso o reajuste tarifário tivesse sido concedido em 2011. Uma diferença relevante de 41%. Esse incremento de custo será compensado ao longo de 2012 com o ajuste da tarifa aprovado em dezembro passado. Assim, os múltiplos 2011 da Comgas, sob a ótica do IFRS, foram bem elevados – FV/EBITDA de 9,9x e P/L de 24,9x. Contudo, após o ajuste das tarifas, os múltiplos de 2012 tendem a ser mais atrativos – FV/EBITDA de 6,2x e P/L de 9,5x. Um analista de mercado que baseasse suas análises sobre os múltiplos de 2011 teria considerado as ações de Comgas caras, o que teria sido um erro, pois o reajuste a ser concedido compensaria o incremento do custo.

A Santander Corretora está otimista com as ações de Comgas. Além do incremento substancial do EBITDA e lucro em 2012, as ações de Comgas negociam com desconto em relação às do setor elétrico quando se leva em conta o múltiplo FV ("firm value") sobre ativo regulatório. Enquanto as ações de Comgas estão cotadas a 1,2x FV/ativo regulatório, a média do setor elétrico está em 1,5x. Segundo Prado, esse desconto não é merecido, pois o retorno real do contrato da Comgas é de 9,55% a.a., maior do que o retorno regulatório das geradoras e distribuidoras, de 7,5% a.a.. Com isso, Comgas tende a ser mais rentável do que as companhias elétricas. Outro ponto positivo é que a administração da companhia já anunciou a migração para o Novo Mercado, o que tende a trazer maior visibilidade para a companhia. O potencial de valorização para as ações preferenciais (CGAS5) é de 26%, tomando por base o preço alvo do Santander e a cotação de fechamento de 06.03.11.
 

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