Minerva usa brecha de debênture isenta para trazer recursos de bônus

Sem alarde, o frigorífico Minerva aproveitou uma brecha legal e foi o primeiro a se valer dos incentivos fiscais concedidos pelo governo na emissão de debêntures voltadas a projetos de infraestrutura e investimento. A empresa levantou R$ 450 milhões em uma emissão de debêntures com prazo de 10 anos, pagando uma taxa pré-fixada de 16,95% ao ano.
 
As debêntures incentivadas, no entanto, foram apenas um meio para que o Minerva trouxesse para o país parte dos recursos de uma emissão de bônus no exterior realizada no início do ano, conforme apurou o Valor. Ou seja, o dinheiro das debêntures não é novo e o único impacto contábil para a companhia será a redução da parcela da dívida em dólar. Procurados, tanto a companhia como o Morgan Stanley, banco que coordenou a oferta, não comentaram o assunto.

O Minerva fechou a captação de bônus, no valor de US$ 350 milhões e que também possui prazo de dez anos, em fevereiro deste ano. No mês seguinte, a companhia reabriu a linha e levantou mais US$ 100 milhões. Os papéis pagam taxa de juros ao investidor de 12,25% ao ano. A diferença em relação à taxa das debêntures é explicada pelo custo de uma operação de swap (troca) da remuneração de dólares para reais, que a companhia teria realizado para reduzir a exposição cambial.
 
A intenção das empresas de usar esse tipo de estrutura, que é considerada legal, já havia sido tema de reportagem do Valor publicada no dia 30 de abril. A principal vantagem das debêntures incentivadas em relação a outros instrumentos é a alíquota zero de imposto de renda (IR) e do imposto sobre operações financeiras (IOF) para investidores estrangeiros. Os benefícios foram criados via medida provisória, convertida em junho do ano passado na Lei nº 12.431.
 
As captações de bônus no exterior em geral são realizadas por meio das subsidiárias das empresas brasileiras, que posteriormente precisam remeter esses recursos para o país. Antes das debêntures incentivadas, havia duas formas de trazer esses recursos: via operação de pré-pagamento de exportações ou por um empréstimo intercompanhias.
 
A primeira alternativa foi praticamente inviabilizada após a decisão do governo de limitar o pré-pagamento – que é isento de impostos – a operações com prazo de até um ano. Já os empréstimos estão sujeitos ao IR de 15% sobre o pagamento de juros. Caso a empresa resolva pagar os bônus antes do prazo de cinco anos, ainda tem de recolher o IOF de 6%.
 
A emissão de debêntures do Minerva foi realizada conforme a Instrução nº 476 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que dispensa o registro prévio na autarquia, desde que a operação seja limitada a até 20 investidores. A opção por uma emissão pública, porém, foi tomada apenas para atender a uma exigência legal.

A captação foi fechada em menos de um mês, prazo considerado insuficiente para que os potenciais investidores pudessem se submeter aos trâmites legais para trazer os recursos ao país. Também não houve relatório de classificação de risco da operação, que costuma ser uma exigência dos investidores para aplicar em títulos.
 
Para ter direito aos incentivos, as emissões precisam cumprir uma série de requisitos além da emissão pública. Um deles é que os recursos sejam aplicados em projetos de investimento. No caso do Minerva, o valor recebido com a emissão de debêntures será usado para financiar parte de quatro projetos de investimento, com volume total estimado de R$ 950 milhões, de acordo com informações da escritura da emissão.
 
Alguns especialistas avaliam que as formas alternativas encontradas pelo mercado para se valer do benefício fiscal não contrariam a legislação. Como principal argumento favorável está o fato de que o propósito do governo de incentivar a entrada de recursos para investimentos de longo prazo no país está sendo cumprido.
 
O governo tampouco fechou a porta para esse tipo de operação na proposta de mudanças na legislação que está em tramitação no Congresso. Ao contrário, dentro do pacote de ajustes incluído no projeto de conversão da medida provisória nº 563, o governo deixou claro pontos que dão mais segurança jurídica para as captações. Um deles é a indicação de que o benefício fiscal será mantido mesmo que a empresa não use os recursos da forma prevista originalmente.
 
Embora legal, o uso dos incentivos da legislação para trazer recursos para o país dessa maneira acaba não atendendo à intenção do governo de fomentar as emissões de títulos corporativos no país. As captações hoje são concentradas em poucos nomes, e em prazos ainda curtos comparados à média das emissões externas.

(Valor)

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