Custos corroem lucro de financeiras

As despesas administrativas estão pressionando os resultados de financeiras e levando muitas delas a reportarem prejuízo. O volume gasto para manter o dia a dia operacional dessas instituições – que inclui desde a folha de funcionários a despesas com promotores de vendas, passando pelo pagamento de aluguel e honorários advocatícios – chega a ultrapassar, em diversos casos, o montante de recursos destinado a cobrir operações em atraso (as provisões para devedores). Tal fato não deixa de ser surpreendente, já que essas instituições trabalham, primordialmente, com um público que tem elevado risco de crédito.
 
Érico Sodré, presidente da Associação Nacional de Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), que reúne as financeiras, diz que o aumento da fiscalização por parte do Banco Central (BC) após o escândalo do rombo bilionário no PanAmericano contribuiu para impulsionar as despesas administrativas das financeiras. "O BC não era tão exigente com o cumprimento de certas regras, mas passou a ficar", afirma, em referência a obrigatoriedades como a contratação de ouvidoria e de auditoria interna. "Quanto mais informação tem que dar, mais é preciso gastar."

O Valor analisou as informações financeiras trimestrais de oito das instituições mais atuantes no mercado, além dos balancetes de outras cinco, referentes ao período de janeiro e setembro de 2011, último dado disponível no Banco Central. Ao menos cinco delas acumulavam, nesse intervalo, prejuízo – os balancetes no site do BC não necessariamente trazem a linha do resultado líquido.
 
Em pior situação, em setembro, estava a gaúcha Portocred, que exibia patrimônio líquido negativo em R$ 22,35 milhões. Em dezembro, no entanto, segundo informações do Diário Oficial da União, a financeira recebeu um aporte de capital – que aumentou de R$ 16,1 milhões para R$ 54,2 milhões -, e passou por uma troca de controle acionário, agora nas mãos de GAPX Holding. Aparentemente, antes disso houve outro evento para equilibrar a situação patrimonial da Portocred, mas a empresa não explica.
 
As despesas administrativas das financeiras subiram de forma expressiva no ano passado. No banco Azteca, por exemplo, do empresário mexicano Ricardo Salinas, dono da rede de lojas Elektra, o crescimento foi de 133,9% nos nove primeiros meses de 2011. Na Crefisa, presente no mercado há 45 anos oferecendo crédito pessoal, a evolução das despesas administrativas foi de 74,9%. O banco Ficsa, também com quase 50 anos de história, apresentou um aumento de 92% nessa linha do balanço. Nenhuma das instituições atendeu à reportagem.
 
O chamado custo de observância, que envolve o cumprimento das determinações do BC e a prestação de informações à autoridade, independe do porte da instituição, ressalta Sodré, da Acrefi. Dentre as obrigações às quais as financeiras estão submetidas, ele cita, por exemplo, a necessidade da presença de um ouvidor. "Uma pequena financeira registra um caso de reclamação a cada quatro ou cinco meses, mas é preciso manter um ouvidor que não tem o que fazer", diz.
 
A obrigatoriedade de auditoria interna também está na lista de reclamações do setor. "Um gerente de auditoria ganha cerca de R$ 15 mil por mês, é mão-de-obra qualificada que produz um impacto grande nas despesas", observa Sodré. Além das exigências do BC, as financeiras também tiveram de enfrentar reajustes de salário e outros aumentos, como o custo de telefonia. "Não sei se é o caso de inviabilizar instituições de pequeno porte, mas as altas despesas estão tornando o trabalho mais difícil."
 
Para que o aumento das despesas não deteriore o resultado das financeiras, as receitas com operações de crédito e prestação de serviço precisam dar um salto ainda maior que o avanço dos gastos. Uma forma de analisar o impacto do custo operacional em relação ao nível de receita é por meio do chamado índice de eficiência, cujo coeficiente em torno de 0,60 é considerado limite por contadores. Se o custo operacional ultrapassar 60% da receita, a financeira corre o risco de não se pagar, já que os impostos ainda vão incidir sobre o resultado. Do total de 13 financeiras analisadas, 9 apresentavam índice de eficiência superior a 0,60 no período de janeiro a setembro de 2011.
 
O ritmo de produção de crédito, de maneira geral, está baixo. O banco Cacique registrou queda de 20% nas receitas com operações de crédito entre janeiro e setembro de 2011 contra igual período de 2010. Na BV Financeira, uma das maiores do setor, as receitas com operação de crédito cresceram 11% nesse mesmo intervalo e seu índice de eficiência estava em 0,64 em setembro. Procurados, Cacique e BV Financeira não comentaram.
 
Mas exibir um alto índice de eficiência nem sempre significa estar passando longe das dificuldades do setor. É o caso da Socinal, que atua no segmento de crédito consignado na Região dos Lagos (RJ). A concorrência com os grandes bancos, que entraram nesse nicho com taxas de juro mais baixas, está tornando a operação da financeira fluminense inviável, conta o diretor Jorge Lage Campos. Há oito meses a Socinal não fecha uma oferta de consignado. Para não ser sufocada pelas despesas, a Socinal demitiu 15 funcionários em 2011, um terço de seu quadro.
 
"Não dá para dizer o que vai acontecer agora, mas estamos repensando o negócio", afirma Campos. Enquanto a Socinal opera de forma manual, trabalhando com correspondentes que levam até o departamento pessoal dos funcionários municipais as propostas de crédito para serem averbadas – com carimbo -, os bancos de varejo, que já processam a folha de pagamento desse pessoal, fazem a concessão eletronicamente.
 
A Acrefi está trabalhando junto ao BC para tentar aliviar a quantidade de exigências para as pequenas instituições de crédito, mas o presidente da entidade se mostra um tanto cético quanto ao resultado desse esforço. A solução mais eficaz, segundo Érico Sodré, passaria pela facilitação de acesso a "funding" para aumentar a produção. "Muitas despesas são inevitáveis, por isso o corte de gastos tem efeito limitado", explica.
 
O custo para captar recursos no mercado também subiu bastante para as pequenas instituições financeiras após a quebra do PanAmericano – à qual se somaram, posteriormente, as irregularidades encontradas no banco Morada e na financeira Oboé. "Para compensar, ou os pequenos aumentam a taxa de juro dos empréstimos ou deixam de operar."
 
O estímulo dado pelo BC para direcionar parte do compulsório dos grandes bancos de varejo à compra de carteiras e certificados de depósito interfinanceiro (CDI) das instituições menores seria uma das soluções. A medida do BC que prevê a remuneração de apenas 73% dos depósitos sobre recursos a prazo recolhidos acaba de entrar em vigor. Essa fatia cairá para 64%, em agosto. O incentivo, porém, acaba em junho de 2014.

(Aline Lima | Valor)
 

+ posts

Share this post